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quarta-feira, 1 de abril de 2020
E-BOOK GRÁTIS PARA SUA #QUARENTENALITERÁRIA
Uma dica de livro grátis para sua #quarentenaliterária é a 10ª coletânea do Núcleo de Dramaturgia do SESI - British Council, da qual participo junto com outros 11 autores. Uma oportunidade de ler e se deixar sensibilizar por estas peças incríveis. Aproveite!
Basta clicar e baixar os e-books, recomendo muitíssimo: Volume 1 e Volume 2
segunda-feira, 9 de dezembro de 2019
A MALDADE É UMA ESPÉCIE DE INCAPACIDADE
Soube que o propósito da peça tinha se realizado quando as luzes se acenderam e vi três amigos abraçados, de pé, no meio da plateia. Visivelmente emocionado, um deles chorava. Também sensibilizado pela experiência, eu me dirigia à saída, acompanhado de minha esposa. Logo encontramos duas colegas, que de imediato comentaram: parecia feito para mim, tem uma proximidade muito pessoal. Era isso, fazer com que a plateia se deixasse afetar pela história de outros, desconhecidos, que responderam a um anúncio e enviaram relatos de suas experiências pessoais aos dramaturgos para que se transformassem em teatro. Desde histórias graves às mais singelas, pequenas, por vezes ordinárias e ainda assim tocantes, que remontam à singularidade de pessoas também diversas.
Pensando melhor, o propósito da peça Eu de você já tinha se realizado antes, na cena em que a personagem de Denise Fraga desaba no chão, sobrecarregada pelas neuroses nossas de cada dia. Uma mensagem de WhatsApp fora projetada no fundo do palco, solicitando ajuda. Uma, duas, três vezes. Até que uma jovem na plateia se levantou para socorrê-la. Acaso ninguém se dispusesse a isso, a peça teria que acabar ali, e revelaria que, afinal, a atriz estava errada. Pouco antes ela manifestara sua crença na potência transformadora do teatro. A espectadora que subiu no palco provou que, de fato, houve uma transformação: a ficção se fez realidade.
Esse processo começou quando a maioria sequer notara que já estava participando da encenação. Denise, em meio ao público, cumprimentava, tirava fotos, trocava sorrisos. Ela contou uma banalidade qualquer sobre um espetáculo anterior, intitulado A alma boa de Setsuan, quando iniciou esse ritual de receber os convidados pessoalmente. Foi nesse momento que conquistou nossa atenção, simpatia, disposição para ouvir narrativas alheias que, por um triz, não foram as nossas próprias.
E por que as ouvir? “Porque não há melhor espelho do que o outro. Porque sabemos quem somos a partir do que reverberamos. Porque é urgente ver o outro, olhar pelo olhar do outro, ser eu de você. O quanto nos ampliaríamos se conseguíssemos ser eu de você e você de mim, deixando-nos ambos atravessar por nossas experiências?”, pergunta a própria Denise Fraga no programa da peça, cuja idealização ela assina com José Maria e Luiz Villaça.
Entre os recursos que utiliza está o envolvimento direto com os presentes, que são convocados a contracenar, ler cartas, responder perguntas. Fato e invenção se diluem, assim como o discernimento entre o eu e eles.
Quem são eles? Ricos, velhos, brancos, pobres, negros, jovens. Outros. Cujos relatos são costurados com imagens, canções, filmes, memórias coletivas. E que a todo instante sussurram: o que nos difere? O que nos aproxima?
O espetáculo aposta em nossa disponibilidade para nos deixar sensibilizar e sermos, ainda que por instantes, um pouco como o outro. Viver uma cena da sua vida. Conhecer o mundo por seu ponto de vista.
Em um determinado momento, uma personagem dispara: a maldade é uma espécie de incapacidade. Incapacidade de quê? De nos permitirmos sofrer a dor do outro. De sorrir a felicidade alheia. Experimentar a sua maneira de ser. A incapacidade de estarmos abertos às inúmeras formas do viver resulta nessa maldade tão presente, que vai contaminando aos poucos as imagens, os discursos, os desejos. E que arruína toda capacidade de construirmos um comum – ou uma comunidade, se preferir.
“Vivemos tempos turvos que nos convidam diariamente ao isolamento, ao medo do convívio e ao individualismo. Uma espécie de epidemia melancólica que nos tem aprisionado atrás de nossas telas geniais, que nos conectam e distanciam em alternância estroboscópica num abismo de encantamento e retórica. Um tempo que tem confundido e abalado a nossa esperança. Tenho a impressão de que cada dia nos distanciamos mais da potência que poderíamos ser se estivéssemos realmente conectados e acredito que o Teatro ainda é capaz de promover este milagre. Todos nós aqui, nesta sala, celulares desligados, escutando o silêncio, a respiração, a tosse, a risada do outro”, escreve a atriz.
A peça usa o bom humor para abordar temas sérios como política, sociedade, comportamento, abuso, discriminação, sonho, culpa – um artifício para ampliar nossa consciência e mobilizar a sensibilidade. Com singeleza e afeto, transforma o teatro numa praça pública em que as vidas se desenrolam, fazendo de nós mesmos seus atores e testemunhas. Produz assim aquele triz, momento do quase, em que somos arrebatados por uma perspectiva diferente, capaz de nos fazer vislumbrar o que poderíamos ser, caso não ficássemos reduzidos ao nosso euzinho particular.
Pensando melhor, o propósito da peça Eu de você já tinha se realizado antes, na cena em que a personagem de Denise Fraga desaba no chão, sobrecarregada pelas neuroses nossas de cada dia. Uma mensagem de WhatsApp fora projetada no fundo do palco, solicitando ajuda. Uma, duas, três vezes. Até que uma jovem na plateia se levantou para socorrê-la. Acaso ninguém se dispusesse a isso, a peça teria que acabar ali, e revelaria que, afinal, a atriz estava errada. Pouco antes ela manifestara sua crença na potência transformadora do teatro. A espectadora que subiu no palco provou que, de fato, houve uma transformação: a ficção se fez realidade.
Esse processo começou quando a maioria sequer notara que já estava participando da encenação. Denise, em meio ao público, cumprimentava, tirava fotos, trocava sorrisos. Ela contou uma banalidade qualquer sobre um espetáculo anterior, intitulado A alma boa de Setsuan, quando iniciou esse ritual de receber os convidados pessoalmente. Foi nesse momento que conquistou nossa atenção, simpatia, disposição para ouvir narrativas alheias que, por um triz, não foram as nossas próprias.
E por que as ouvir? “Porque não há melhor espelho do que o outro. Porque sabemos quem somos a partir do que reverberamos. Porque é urgente ver o outro, olhar pelo olhar do outro, ser eu de você. O quanto nos ampliaríamos se conseguíssemos ser eu de você e você de mim, deixando-nos ambos atravessar por nossas experiências?”, pergunta a própria Denise Fraga no programa da peça, cuja idealização ela assina com José Maria e Luiz Villaça.
Entre os recursos que utiliza está o envolvimento direto com os presentes, que são convocados a contracenar, ler cartas, responder perguntas. Fato e invenção se diluem, assim como o discernimento entre o eu e eles.
Quem são eles? Ricos, velhos, brancos, pobres, negros, jovens. Outros. Cujos relatos são costurados com imagens, canções, filmes, memórias coletivas. E que a todo instante sussurram: o que nos difere? O que nos aproxima?
O espetáculo aposta em nossa disponibilidade para nos deixar sensibilizar e sermos, ainda que por instantes, um pouco como o outro. Viver uma cena da sua vida. Conhecer o mundo por seu ponto de vista.
Em um determinado momento, uma personagem dispara: a maldade é uma espécie de incapacidade. Incapacidade de quê? De nos permitirmos sofrer a dor do outro. De sorrir a felicidade alheia. Experimentar a sua maneira de ser. A incapacidade de estarmos abertos às inúmeras formas do viver resulta nessa maldade tão presente, que vai contaminando aos poucos as imagens, os discursos, os desejos. E que arruína toda capacidade de construirmos um comum – ou uma comunidade, se preferir.
“Vivemos tempos turvos que nos convidam diariamente ao isolamento, ao medo do convívio e ao individualismo. Uma espécie de epidemia melancólica que nos tem aprisionado atrás de nossas telas geniais, que nos conectam e distanciam em alternância estroboscópica num abismo de encantamento e retórica. Um tempo que tem confundido e abalado a nossa esperança. Tenho a impressão de que cada dia nos distanciamos mais da potência que poderíamos ser se estivéssemos realmente conectados e acredito que o Teatro ainda é capaz de promover este milagre. Todos nós aqui, nesta sala, celulares desligados, escutando o silêncio, a respiração, a tosse, a risada do outro”, escreve a atriz.
A peça usa o bom humor para abordar temas sérios como política, sociedade, comportamento, abuso, discriminação, sonho, culpa – um artifício para ampliar nossa consciência e mobilizar a sensibilidade. Com singeleza e afeto, transforma o teatro numa praça pública em que as vidas se desenrolam, fazendo de nós mesmos seus atores e testemunhas. Produz assim aquele triz, momento do quase, em que somos arrebatados por uma perspectiva diferente, capaz de nos fazer vislumbrar o que poderíamos ser, caso não ficássemos reduzidos ao nosso euzinho particular.
quarta-feira, 4 de dezembro de 2019
MUSEU DE ARTE EFÊMERA DE LETHE
Tenho um orgulho danado desta peça, que deu um trabalho mais danado ainda para escrever. Orgulho maior é vê-la publicada junto com outras 11 peças do Núcleo de Dramaturgia do Sesi, que integrei em 2018. Isso porque a experiência de acompanhar o processo criativo dos autores foi única, suas peças são incríveis e o livro ficou lindo.
Leia! Você pode baixar a versão e-book dos dois volumes gratuitamente, é só clicar nestes links:
Núcleo de Dramaturgia do SESI - British Council (10ª turma): volume 1 (ePub)
Núcleo de Dramaturgia do SESI - British Council (10ª turma): volume 2 (ePub)
Sinopse: Zakhor está inconformada porque ninguém se lembra da criança que se afogou no rio. Ela é o estopim para que venham à tona histórias de outras personagens, que têm em comum a indiferença diante de uma tragédia. As histórias são compartilhadas no espaço vazio do museu nepalês, em torno de um fogareiro onde ferve o chá. Zakhor faz de tudo para que as tragédias permaneçam lembradas na história da comunidade. Lethe, entretanto, oferece às vítimas o conforto das suas águas do esquecimento.
quarta-feira, 26 de dezembro de 2018
"PROTOCOLO" GANHA MENÇÃO HONROSA NO PRÊMIO USP NASCENTE 2018
Pretendo revisá-la para, quem sabe, tentar uma publicação no futuro. Para mim, trata-se ainda de um texto em processo de criação. Mas você pode ler do jeito como está agora, além de conhecer os demais vencedores do prêmio, basta clicar aqui: http://prceu.usp.br/nascente/premiados-2018-texto/
terça-feira, 30 de outubro de 2018
LEITURA DRAMÁTICA DE MINHA NOVA PEÇA
Clique na imagem para ampliá-la |
Dia 6 de novembro, às 18h, minha peça Museu de Arte Efêmera de Lethe terá uma leitura dramática no Mezanino do Sesi SP (Av. Paulista, 1313). A direção é de Carlos Baldim, que selecionou a dedo um grande elenco.
Os ingressos são gratuitos e devem ser reservados com antecedência aqui:
http://inscricaoeventos.sesisp.org.br
O evento Portas Abertas é promovido pelo Núcleo de Dramaturgia do Sesi - British Council, com coordenação de Marici Salomão e César Baptista. Trata-se de um projeto incrível, do qual eu e mais onze dramaturgos fazemos parte desde o início do ano.
A leitura oferece a oportunidade de apresentar um texto em processo de finalização, que será debatido com o público.
Espero ver você lá. Garanta seus ingressos, prestigie o teatro brasileiro e participe do debate para compartilhar comigo impressões da leitura.
Sinopse da peça
Museu de Arte Efêmera de Lethe
Zakhor está inconformada porque ninguém se lembra da criança que se afogou no rio. Ela é o estopim para que venham à tona histórias de outras personagens, que têm em comum a indiferença diante de uma tragédia. Zakhor faz de tudo para que as tragédias permaneçam lembradas na história da comunidade. Lethe, entretanto, oferece às vitimas o conforto das suas águas do esquecimento.
Aproveite a oportunidade para assistir também à leitura das 20h, da peça "Sentença", de Eduardo Aleixo e direção de Carolina Bianchi. Está primorosa.
terça-feira, 23 de abril de 2013
TODA NUDEZ SERÁ CASTIGADA
Impressões anotadas logo depois de assistir à montagem de Antunes Filho, aqui reproduzidas:
Aquele comportamento estranho que é tão familiar. Os valores morais seguidos à risca, cegamente. Os relacionamentos postos de ponta-cabeça. Ação e relação. A esquisitice de ser. A emoção impregnada de maniqueísmos. Poder e não poder, permissão ou permissividade. Poder, poder! Poder ficar de joelhos. Deixa, vai?Interesses reunidos em prol de um único sujeito. Surpreende? Que nada. A baixeza, a baixaria, a bicharada. A raça animal. A dor do outro transformada em prazer pessoal e vice-versa. A falsidade ideológica e moral. O moralismo. A falta. O tango, o Édipo, a fratura exposta, a verdade posta à flor da pele vira drama, música, espetáculo. O castigo. Nelson Rodrigues.
Aquele comportamento estranho que é tão familiar. Os valores morais seguidos à risca, cegamente. Os relacionamentos postos de ponta-cabeça. Ação e relação. A esquisitice de ser. A emoção impregnada de maniqueísmos. Poder e não poder, permissão ou permissividade. Poder, poder! Poder ficar de joelhos. Deixa, vai?Interesses reunidos em prol de um único sujeito. Surpreende? Que nada. A baixeza, a baixaria, a bicharada. A raça animal. A dor do outro transformada em prazer pessoal e vice-versa. A falsidade ideológica e moral. O moralismo. A falta. O tango, o Édipo, a fratura exposta, a verdade posta à flor da pele vira drama, música, espetáculo. O castigo. Nelson Rodrigues.
"Sebastião Milaré, pesquisador teatral, apresenta ensaio de Toda nudez será castigada, dirigido por Antunes Filho, em homenagem a Nelson Rodrigues, no MIRADA – FESTIVAL IBERO-AMERICANO DE ARTES CÊNICAS DE SANTOS, durante o lançamento do Festival no Sesc Santos, em 15 de agosto de 2012." [fonte: SESC]
quinta-feira, 4 de agosto de 2011
Mariana Delfini: Muitas pessoas vêm à peça atraídas pela imagem que têm de você na televisão. Mas, no palco, você adota um tom irônico e até agressivo em relação à plateia. Não teme frustá-la?
Caco Ciocler: A graça do espetáculo é mesmo esta, frustrar qualquer expectativa de quem vai em busca de entretenimento. O fato de eu fazer televisão potencializa esse jogo. Veja bem: não tenho nada contra o entretenimento, mas já existe tanta coisa dando conta dele... Acho uma pena as pessoas virem buscá-lo também no teatro. Sinto que a gangorra pesa muito para esse lado e pouquíssimo para o da arte, que dá espaço à dor – não a dor como objeto de culto, mas a dor da vida, mesmo, a dor diante do vazio. Preencher o tempo com o entretenimento é uma maneira de fingir que esse vazio não existe. A arte deve estimular o movimento oposto: nos fazer parar de mentir sobre ele. Deve dar à existência uma dimensão mais sublime, para além do banal.
Entrevista concedida à revista BRAVO! deste mês, a respeito da peça 45 minutos, em cartaz no Centro Cultural São Paulo.
Caco Ciocler: A graça do espetáculo é mesmo esta, frustrar qualquer expectativa de quem vai em busca de entretenimento. O fato de eu fazer televisão potencializa esse jogo. Veja bem: não tenho nada contra o entretenimento, mas já existe tanta coisa dando conta dele... Acho uma pena as pessoas virem buscá-lo também no teatro. Sinto que a gangorra pesa muito para esse lado e pouquíssimo para o da arte, que dá espaço à dor – não a dor como objeto de culto, mas a dor da vida, mesmo, a dor diante do vazio. Preencher o tempo com o entretenimento é uma maneira de fingir que esse vazio não existe. A arte deve estimular o movimento oposto: nos fazer parar de mentir sobre ele. Deve dar à existência uma dimensão mais sublime, para além do banal.
Entrevista concedida à revista BRAVO! deste mês, a respeito da peça 45 minutos, em cartaz no Centro Cultural São Paulo.
segunda-feira, 20 de dezembro de 2010
A VIDA COMO ALEGORIA (EM UM TEATRO DE BONECOS)
Adoro filmes que me proporcionam uma experiência nova quando os vejo. Pode ser um jeito diferente de contar a história, um visual exuberante, um toque pessoal do diretor ou uma atuação particularmente especial. É por isso que cansei dos blockbusters hollywoodianos, que se esforçam para serem exatamente como o grande público espera que sejam e, no final, ficam todos iguais – tenho visto cada vez menos desses. Aliás, tenho visto menos filmes de modo geral; porém, venho selecionando os títulos a dedo e, nos últimos tempos, descobri grandes pérolas. A de ontem foi Dolls (2002), longa-metragem escrito, dirigido e editado pelo japonês Takeshi Kitano.
São três histórias dentro de uma só, que se misturam e que, aos pouquinhos, vão se ajudando a contar, aproximando-se e se afastando num ritmo imprevisível. Até aí, nenhuma grande novidade – existem diversos filmes assim, inclusive recentes, tais como Babel e Crash. Só que Dolls possui algo a mais: aquele simbolismo típico da cultural oriental, que concede significados a objetos ou gestos e vai nos revelando a narrativa com sutileza. Uma folha que se solta da árvore em uma das histórias, por exemplo, representa a morte de um personagem na outra, e a gente compreende isso mesmo que não seja dito explicitamente.
O visual impressiona de tão bonito, dá para perceber de cara que cada plano foi cuidadosamente estudado. As cores saltam da tela e, muitas vezes, tive vontade de pausar o vídeo para emoldurá-las. Talvez seja herança de Akira Kurosawa, aquele mestre do cinema japonês que, não por acaso, queria ser pintor. Ou talvez seja mesmo um novo artista de sensibilidade aguçada, destacando-se por mérito próprio.
Dolls fala de amor, perseverança e compromisso. Mistura vida e arte, realidade e ficção, às vezes tendendo ao absurdo. As histórias foram inspiradas no teatro bunraku, aquele com bonecos e música ao vivo em que o drama beira a tragédia. Pena que a trilha se repete demais, o que deixa o filme um pouco cansativo. Talvez se ele fosse um tantinho mais curto resolveria. De qualquer maneira, não vou entrar nesses detalhes. Quero apenas registrar aqui minhas impressões positivas e incentivar os fãs do cinema a irem buscar as suas.
Em resumo, Dolls me conquistou porque contraria a ideia pessimista e apática de que o cinema não pode mais se reinventar, e faz isso de um jeito lírico, tranquilo e sutil, sem apelar para efeitos mirabolantes, computação gráfica e 3D. Quem disse que não dava?
Algumas imagens dizem melhor do que eu:
São três histórias dentro de uma só, que se misturam e que, aos pouquinhos, vão se ajudando a contar, aproximando-se e se afastando num ritmo imprevisível. Até aí, nenhuma grande novidade – existem diversos filmes assim, inclusive recentes, tais como Babel e Crash. Só que Dolls possui algo a mais: aquele simbolismo típico da cultural oriental, que concede significados a objetos ou gestos e vai nos revelando a narrativa com sutileza. Uma folha que se solta da árvore em uma das histórias, por exemplo, representa a morte de um personagem na outra, e a gente compreende isso mesmo que não seja dito explicitamente.
O visual impressiona de tão bonito, dá para perceber de cara que cada plano foi cuidadosamente estudado. As cores saltam da tela e, muitas vezes, tive vontade de pausar o vídeo para emoldurá-las. Talvez seja herança de Akira Kurosawa, aquele mestre do cinema japonês que, não por acaso, queria ser pintor. Ou talvez seja mesmo um novo artista de sensibilidade aguçada, destacando-se por mérito próprio.
Dolls fala de amor, perseverança e compromisso. Mistura vida e arte, realidade e ficção, às vezes tendendo ao absurdo. As histórias foram inspiradas no teatro bunraku, aquele com bonecos e música ao vivo em que o drama beira a tragédia. Pena que a trilha se repete demais, o que deixa o filme um pouco cansativo. Talvez se ele fosse um tantinho mais curto resolveria. De qualquer maneira, não vou entrar nesses detalhes. Quero apenas registrar aqui minhas impressões positivas e incentivar os fãs do cinema a irem buscar as suas.
Em resumo, Dolls me conquistou porque contraria a ideia pessimista e apática de que o cinema não pode mais se reinventar, e faz isso de um jeito lírico, tranquilo e sutil, sem apelar para efeitos mirabolantes, computação gráfica e 3D. Quem disse que não dava?
Algumas imagens dizem melhor do que eu:
quarta-feira, 1 de setembro de 2010
MIRADA_FESTIVAL IBERO-AMERICANO DE ARTES CÊNICAS DE SANTOS
Confira a programação desta edição. Tem atrações de diversos países. Difícil é escolher a melhor.
Clique na imagem para ampliar.
Mais informações: MIRADA
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Mais informações: MIRADA
quarta-feira, 4 de agosto de 2010
TEATRO ABSTRATO
É realmente difícil descrever o espetáculo Shi-Zen, 7 cuias, encenado domingo passado pelo grupo Lume no Tuca (PUC/SP). Foi o último evento da chamada Casa Lume, que celebrou os 25 anos do grupo com uma intensa programação cultural. E não poderia ter sido melhor.
Assistir àquela peça é mais ou menos como contemplar um quadro abstrato. Não há narrativa, não há começo, meio ou fim. Não há diálogos – exceto por um, realizado com gritos musicais e gemidos inconformados, todos em claro japonês inventado. São apenas sensações, metáforas e muitas sugestões.
E tema? Tem? Tem. Fala de arquétipos, mitologia, nascimento e morte, ascensão e queda, comportamento social, desamparo, esperança, natureza e daí por diante. Deve falar de muitas outras coisas também, sabe por quê? É uma peça difícil de definir, como já disse. Não tem certo ou errado, tem apenas metáforas sobre a vida, cada um as entende como quiser.
São metáforas ricamente interpretadas. A sutileza dos movimentos nos carrega para outros planos, assim como a intensidade das músicas. Os sete atores do grupo se completam e se superam a cada cena. E elas demoram, nossa, como demoram! Muitas vezes levam minutos inteiros para realizar atos praticamente imperceptíveis, porém essenciais: é essa demora que nos permite deixar a ansiedade de lado e adentrar o novo mundo.
A coreografia foi desenvolvida em parceria com japonês Tadashi Endo e tem base em seu elegante e minimalista Butoh-Ma. A inspiração oriental aparece aí e em muitos outros cantos, a começar pelo nome: Shi (indivíduo), Zen (como exemplo) e Shi-Zen (natureza).
O espetáculo é uma verdadeira experiência de vida. Nos leva ao riso, às lágrimas, à raiva, à tensão e à apatia. Tudo está presente em sua forma mais pura: aquela que não tem forma de nada, exceto de sentimento. É a essência daquilo que gera todas as outras histórias, uma versão primordial do homem e do mundo. Difícil de definir, eu sei, mas é isso aí. Melhor é ver com os próprios olhos. E com a cabeça aberta.
Mais informações: Lume Teatro
quarta-feira, 28 de julho de 2010
AOS 25 ANOS, COM AFETO
Texto e fotos por Carlota Cafiero
Assessora de comunicação do LUME Teatro
Um clarinetista maluco desafiava os carros que desciam a Rua Monte Alegre, em Perdizes, enquanto uma moradora de rua puxava um trenzinho de madeira atrás de si, falando impropérios aos passantes. Jogado na calçada, um homem de short e camiseta ignorava o frio, visivelmente embriagado. Próximo dele, uma mulher com os cabelos desgrenhados tomava cachaça e contava piadas aos curiosos. Tudo isso aconteceu na noite de segunda-feira, em um mesmo momento e quarteirão, na frente do Teatro da Universidade Católica (TUCA), o que chamou atenção de pedestres e motoristas que, por alguns momentos, viram suas rotinas alteradas pela ocupação CASA LUME, que o LUME Teatro está promovendo em todos os espaços do TUCA, em comemoração aos seus 25 anos de fundação.
As cenas descritas acima foram apresentadas pelos atores Ricardo Puccetti, Ana Cristina Colla, Jesser de Souza e Raquel Scotti Hirson, respectivamente, e fizeram parte da abertura da programação da CASA LUME, que segue até 1 de agosto, domingo, com palestras, demonstrações técnicas, workshops e espetáculos no TUCA - que também está comemorando aniversário, mas de 45 anos.
As cenas não pararam por aí: dentro do foyer do TUCA, mais dois atores do LUME surpreendiam o público com suas figuras: Carlos Simioni vestia o figurino do espetáculo solo "Sopro", dirigido por Tadashi Endo, e se movimentava lentamente ao lado da exposição de fotos "Fluxolume", montada por Juliana Pfeifer. No alto de uma das escadarias do foyer, Naomi Silman apresentava a trágica figura de Lady Macbeth, em um exercício cênico que faz parte da demonstração técnica Não Tem Flor Quadrada. Em outra escadaria, Puccetti fazia um trecho do solo "Cnossos", espetáculo que está há 15 anos em cartaz.
No foyer superior do teatro, mais figuras: Renato Ferracini como o Seu Mata-Onça, de "Café com Queijo", provocava risos nos público espalhado pelas almofadas e sofás do Cantinho da Leitura da CASA LUME - com livros e revistas publicadas pelo grupo junto da editora da Unicamp e Hucitec -, enquanto Jesser de Souza, de chapéu e bengala, subia lentamente a escada como Seu Geraldinho, do espetáculo fora de cartaz "Contadores de Estórias.
Quem conduzia o público entre uma figura e outra era a atriz Silvia Leblon, como a palhaça esfarrapada do espetáculo "Sonho de Ícaro", do LUME. Dessa, forma - e com um guia ilustrado nas mãos - os cerca de 100 espectadores que compareceram à abertura da CASA LUME no TUCA foram apresentados a algumas figuras-chaves que marcaram a trajetória dos 25 anos do grupo.
Para finalizar o evento de abertura, os sete atores retomaram figuras do espetáculo cênico-musical "Parada de Rua", preenchendo todos os espaços do TUCA com canções, sopros e percussão, levando o público para o Tucarena - onde está montada a exposição de fotos "Singularidades Plurais", de Adalberto Lima. Lá, Carlos Simioni (que também é coordenador e cofundador do LUME), ainda vestindo o figurino feito de papel-arroz de "Sopro", falou à plateia sobre o desafio de manter um grupo de teatro durante 25 anos, seguido da fala da musicista Denise Garcia, viúva de Luís Otávio Burnier (idealizador e fundador do LUME) e também cofundadora do grupo.
Após a exibição de um trecho da rara gravação do espetáculo "Duo para Piano e Mímica", com Burnier e Denise, os atores rasgaram a tela de papel e entraram em cena como as exageradas e bem-humoradas figuras dos Bem Intencionados, para apresentar o número musical "Caleidoscópio de Emoções", que faz parte do novo espetáculo do LUME, ainda em processo. Foi dessa maneira afetiva, e rindo de si mesmos, que os atores inauguraram a semana que comemora as Bodas de Prata deste importante núcleo de pesquisa teatral.
Se você ainda não leu, aqui estão meus comentários sobre a abertura do evento.
terça-feira, 27 de julho de 2010
CONSTRUIR ALGO, CHEGAR A ALGUM LUGAR
Foto de Carlota Cafiero
Fomos recebidos por uma mendiga louca que nos ofereceu a cachaça de sua canequinha. O segurança percebeu nossa apreensão, aproximou-se e disse que poderíamos ficar à vontade para perambular pelo lugar. A mendiga veio atrás e sumiu pouco depois, provavelmente porque encontrou outro casal para compartilhar seu vício. Nos dirigimos à escadaria da direita e, ao fim do primeiro lance, encontramos Lady Macbeth prostrada, contorcendo-se de dor e culpa. Foi só então que percebemos como a noite ia ser legal.
Estávamos no TUCA, teatro da PUC-SP, para a abertura do evento que marcaria duas importantes comemorações: os 45 anos do teatro e os 25 anos do grupo Lume, da Universidade de Campinas. De 26 de julho até o próximo domingo, 1º de agosto, haverá espetáculos, workshops, demonstrações técnicas, exposição de fotos, palestras e exibição de vídeos para todos os interessados – confira a programação aqui.
No fim dos degraus, passados a Sra. Laranjeiras (moradora de rua que a atriz Ana Cristina observou para a montagem do espetáculo “Um dia…”, de 2000) e de Lady Macbeth (figura clássica desenvolvida pela atriz Naomi Silman a partir da técnica de Dança Pessoal), encontramos Seu Mata-Onça (Renato Ferraccini) e Cnossos (Ricardo Puccetti), entre outros personagens-chave dessas duas décadas e meia de história. Eram apenas amostras de espetáculos passados, mas a gente se envolvia de maneira tão profunda que se esquecia do contexto e queria participar. Eu mesmo quase fui ajudar o velho Geraldinho (Jesser de Souza) a subir as escadas com sua bengala de pau. Que aflição que dava aquele esforço!
Aos pouquinhos, a sensação de caminhar por um hospital psiquiátrico foi cedendo lugar a uma curiosidade contagiante, uma vontade de tocar e dançar com os sete atores do grupo, de deixar a razão de lado e mergulhar de vez na ficção. Com aquelas encenações acontecendo ao redor, nos sentíamos de fato num enorme palco.
Em seguida, fomos conduzidos à arena do TUCA, onde ouvimos os depoimentos dos dois fundadores restantes do Lume, Carlos Simioni e Denise Garcia (Luís Otávio Burnier faleceu uns anos atrás). Foi espontâneo e bonito. Deve ser difícil resumir uma história tão rica, ainda mais quando se trata de um dos mais importantes centros de pesquisa teatral do mundo. Como núcleo artístico e pedagógico vinculado à Unicamp, o Lume elabora novas possibilidades expressivas e reinventa o teatro a cada novo espetáculo, difundindo esse trabalho também por meio de oficinas e projetos de intercâmbio.
Praticamente sem alteração de integrantes durante todo esse tempo, víamos ali uma grande família. Como confessou o ator Carlos Simioni, depois de vinte e cinco anos de trabalho em conjunto, como é que se deixa o Lume? Não se deixa. Mantém-se criando, ensinando e pesquisando, sem muita certeza de aonde vai chegar. Carlota Cafiero, assessora de comunicação do grupo, comentou deslumbrada a cena em que os atores incorporavam uma banda brega e meio decadente: são os primeiros minutos de um novo espetáculo, e quem diria que eles, conhecidos por encenações sérias e dramáticas, agora fariam uma banda cômica? É mesmo um processo contínuo de construir algo e chegar a algum lugar, como disse Simioni, mesmo que não se saiba muito bem o que e aonde.
É impossível calcular a abrangência do Lume – tanta gente que já passou pelas salas de aula e pela plateia! Só que um dado relevante mostra a influência deles: em 1985, eram o primeiro grupo de pesquisa teatral da região; hoje, são catorze, muitos formados por ex-alunos.
Seja qual for esse “algum lugar” para onde eles rumam, posso dizer que, depois de muita construção e descontrução, o Lume já protagonizou uma conquista especial: vinte e cinco velinhas no bolo. Foi muita honra para mim presenciar essa festa.
O Lume está de site novo. Confira aqui.
segunda-feira, 26 de julho de 2010
FILHOS DO BRASIL, NOTAS RÁPIDAS
• Musical criado e dirigido por Oswaldo Montenegro
• Não possui narrativa linear. Parece mais um apanhado de cenas com um tema em comum – o perfil do brasileiro
• É uma tentativa de compreender a essência do brasileiro, esse pressuposto filho da nação
• Encontrar uma única definição não é um reducionismo perigoso?
• É difícil conhecer os filhos se não sabemos nem quem é o Brasil
• Os esteriótipos do nordestino, do político corrupto, da loira burra, do povo sofrido, do mineirinho da terra, do homem do morro, do hip hop, entre outros, rendem uma leitura ingênua, patética e banal
• O trabalho dos atores e músicos é muito competente
• Música e dramatização se complementam bem
• Em muitos momentos a peça lembra a antiga "Noturno": aparecimentos repentinos em diferentes lugares do teatro, lanternas no rosto, pontos de luz para direcionar a atenção do espectador
• A cena de Léo e Bia é o melhor momento, embora pertença originalmente a outra peça – a lógica fraca e sem graça de Oswaldo dá lugar à lírica
• A defesa do Brasil como território e cultura faz Oswaldo parecer o Policarpo Quaresma da nova era
• Não creio que o nacionalismo seja o caminho para o brasileiro se encontrar. Isso parece retrógrado, principalmente em tempos de universalização, internet, redes sociais internacionalizadas etc. Gosto mais do conceito de "cidadão do mundo", que Alanis Morrissete inseriu em seu último disco
• Desde quando se deve gostar de MPB só porque nascemos aqui?
• "No Brasil não há preconceito, a natureza faz parte do povo, judeus e muçulmanos convivem decentemente, todos se amam e se abraçam nas ruas" são mentiras em que fingimos acreditar
• Discordo conceitualmente de Oswaldo em diversos pontos, principalmente quanto a querer encontrar a essência do brasileiro e a amar incontestavelmente a nação. Tirando isso, a peça é divertida
Ps.: Alguma ligação com o filme "Lula, o filho do Brasil"?
Ps. 2: Lula seria mesmo o único?
quinta-feira, 22 de julho de 2010
quarta-feira, 21 de abril de 2010
TEATRO CINEMATOGRÁFICO
Como se sabe, devido ao processo de produção, as cenas de um filme não são captadas na mesma ordem em que serão exibidas. Tive então uma ideia: escrever uma peça de teatro que seguisse essa maneira de filmar do cinema, com as cenas sendo representadas de modo a aproveitarem melhor o tempo, os atores, o figurino, os acessórios, o jogo de luzes e a arrumação do palco. Sem qualquer cronologia, linearidade ou edição posterior, como ficaria tal espetáculo?
terça-feira, 15 de dezembro de 2009
segunda-feira, 7 de dezembro de 2009
MÁRIO BORTOLOTTO
Na madrugada de sábado, o dramaturgo foi baleado ao reagir a um assalto em São Paulo. Ontem à noite, o Espaço Parlapatões promoveu um ato público em homenagem a ele, quando foram lidos poemas e trechos de peças de sua autoria. O amigo Marcelo Rubens Paiva escreveu uma mensagem de boa sorte aqui: http://blog.estadao.com.br/blog/marcelorubenspaiva. Bortolotto passou por duas cirurgias e reage bem. Ironicamente, ele mantém desde 2004 o blog http://atirenodramaturgo.zip.net/. Abaixo, uma lista de espetáculos que produziu, incluindo Nossa vida não vale um Chevrolet, que recebeu o Prêmio Shell de Teatro em 2008:
• Transas Mil
• Brasilians Boys
• A Meia Noite um Solo de Sax na Minha Cabeça
• Feliz Natal Charles Bukowski
• Será que a Gente Influencia o Caetano
• A Louca Balada de Lou Reed
• Singapura Slings
• Leila Baby
• Fica Frio
• Fuck You Baby
• Para Alguns a Noite É Azul
• O Cara que Dançou Comigo
• Nossa Vida Não Vale um Chevrolet
• Cocooning
• Uma Fábula Podre
• Felizes para Sempre
• Vamos Sair da Chuva quando a Bomba Cair
• Medusa de Ray Ban
• Postcards de Atacama
• Getsêmani
• Deve Ser do Caralho o Carnaval em Bonifácio
• Brutal
• Gravidade Zero
• Tempo de Trégua
• A Frente Fria que Traz a Chuva
• O que Restou do Sagrado
• O Natimorto
• Nossa vida não vale um Chevrolet
segunda-feira, 14 de setembro de 2009
A ALMA BOA DE SETSUAN
Denise Fraga em A alma boa de Setsuan
Em A alma boa de Setsuan, de Bertolt Brecht, a protagonista Chen Tê pergunta a Deus como é possível alguém ser bom numa terra em que todos passam fome. Deus permanece calado. Ele deixa a resposta a nosso cargo.
Quem ainda não viu a montagem de Marco Antônio Braz, estrelada por Denise Fraga, sugiro que corra e compre os ingressos assim que possível. Com muita criatividade, eles conseguiram deixar o texto mais atual do que já é. E divertido também. Resumindo, a peça é imperdível.
Mais informações: www.teatrotuca.com.br
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