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Monotipias de Mira Schendel em exposição no Instituto Tomie Ohtake (2024-2025) |
uma arte de vazios
onde a extrema redundância começa a gerar informação original
uma arte de palavras e de quase palavras
onde o signo gráfico veste e desveste vela e desvela
súbitos valores semânticos
uma arte de alfabetos constelados
de letras-abelhas enxameadas ou solitárias
a-b-(li)-aa
onde o dígito dispersa seus avatares
num transformismo que visa ao ideograma de si mesmo
que força o digital a converter-se em analógico
uma arte de linhas que se precipitam
e se confrontam por mínimos vertiginosos de espaço
sem embargo habitados por distâncias insondáveis
de anos-luz
uma arte onde a cor pode ser o nome da cor
e a figura o comentário de figura
para que entre significante e significado
circule outra vez a surpresa
uma arte-escritura
de cósmica poeira de palavras
uma semiótica arte de ícones índices símbolos
que deixa no branco da página seu rastro numinoso
esta arte de mira schendel
entrar no planetarium onde suas composições
se suspendem desenhos estelares
e ouvir o silêncio como um pássaro de avessos
sobre um ramo de apenas
gorjear seus haicais absolutos
Poema de Haroldo de Campos no catálogo Mira Schendel, publicado por ocasião da mostra da artista no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro em 1966.