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As primeiras cinquenta páginas são dedicadas a um exame minucioso dos pés humanos: seu aspecto, uso, expressões de linguagem associadas a eles, sentidos figurados x literais, gestualidade, preconceitos, entre outras abordagens que, de mais inusitado, têm a qualidade de se demorarem a respeito de algo tão banal quanto ignorado.
"é perfeitamente possível viver uma vida inteira sem saber se o calcanhar é parte do pé ou se já é o resto do corpo" (p. 14).
Os poemas muitas vezes tomam a forma de pequenas prosas: frases, parágrafos, sequências narrativas. Pé ante pé, somos conduzidos numa dança que surpreende pela criatividade da sua coreografia. E o que a princípio parece óbvio acaba se mostrando além da superfície.
"não há outra opção a não ser andar com os próprios pés" (p. 30).
Lolita leva a sério um exercício que poderia - e pode, ou é - simples brincadeira. Os pés ficam para trás, e essa característica segue com o livro. No caminho aparecem temas como a mudança de cidade e o contato com a nova vizinhança, a nova rotina, o novo lar.
"impossível:
preencher uma casa vazia
quando ela ainda está
tão cheia de coisas" (p. 73).
Há lembranças revisitadas: família, viagens, infância, o mar, a morte. E mais para o fim há uma folia, quase um apanhado de sarros e ironias, porém nunca exagerados, nunca um só tipo de assunto ou humor.
"foto de autor
alguns têm olheiras fundas
estão, quase todos, sérios
o que foi que viram
antes de chegar ali?" (p. 116)
Sutilezas. Talvez até mesmo uma espécie de ética na relação com pormenores da vida.
Uma reverência delicada. Uma empatia comovente.