Pesquise aqui

quinta-feira, 24 de março de 2022

COMO SER MACUXI?


“A damurida, prato tradicional de meu povo
já fazia parte, de um jeito mágico, de meu paladar.
[…] As pimentas dançam no rio da minha memória,
invocando a antiga canção dos antepassados que me chama de volta
pra casa.”

Julie Dorrico, Editora Caos & Letras, p. 27

Acredito que a grande questão do livro Eu sou macuxi e outras histórias é aprender a ser/pertencer a essa etnia. Isso implica não apenas conhecer a língua ou praticar os costumes, mas reavivar uma memória que, no limite, é a própria essência cultural daqueles indígenas. 

Quem encara a jornada é a narradora dos textos que compõem o livro, que não são exatamente contos, são também poemas, relatos, fábulas, registros de acontecimentos. Narradora que ora é observadora, ora é personagem, ora cede a palavra e se torna ouvinte da avó, que por sua vez conta histórias por intermédio de uma tradutora – do macuxês para o inglês para o português para uma língua própria, inventada. Assim, coloca-se em pauta a tradição oral e as permanências e transformações que atravessam gerações. 

Mas talvez o que mais tenha me intrigado seja o abandono daquele “eu” convencional, numa atitude fundamental para a narradora se tornar macuxi. Ela faz isso contando não somente uma experiência sua de conhecimento e imersão, mas dando voz às mitologias fundadoras de um povo. Só assim, abandonando uma determinada “si mesma”, é capaz de aprender a ser ainda mais; aprender a ser uma indígena e uma nação macuxi ao mesmo tempo.