“A damurida, prato tradicional de meu povo
já fazia parte, de um jeito mágico, de meu paladar.
[…] As pimentas dançam no rio da minha memória,
invocando a antiga canção dos antepassados que me chama de volta
pra casa.”
Julie Dorrico, Editora Caos & Letras, p. 27
Acredito que a grande questão do livro Eu sou macuxi e outras histórias é aprender a ser/pertencer a essa etnia. Isso implica não apenas conhecer a língua ou praticar os costumes, mas reavivar uma memória que, no limite, é a própria essência cultural daqueles indígenas.
Quem encara a
jornada é a narradora dos textos que compõem o livro, que não são exatamente
contos, são também poemas, relatos, fábulas, registros de acontecimentos.
Narradora que ora é observadora, ora é personagem, ora cede a palavra e se
torna ouvinte da avó, que por sua vez conta histórias por intermédio de uma
tradutora – do macuxês para o inglês para o português para uma língua própria,
inventada. Assim, coloca-se em pauta a tradição oral e as permanências e
transformações que atravessam gerações.
Mas talvez o que mais tenha me intrigado
seja o abandono daquele “eu” convencional, numa atitude fundamental para a
narradora se tornar macuxi. Ela faz isso contando não somente uma experiência
sua de conhecimento e imersão, mas dando voz às mitologias fundadoras de um
povo. Só assim, abandonando uma determinada “si mesma”, é capaz de aprender a
ser ainda mais; aprender a ser uma indígena e uma nação macuxi ao mesmo tempo.