Estipulei metas para mim no início deste ano. Eu nunca tinha feito isso de maneira tão sistemática. Para me lembrar de cumprir algumas delas, escrevi um bilhete que dizia: Pergunta do dia, Leitura do mês, Projeto da vez. Ele ficou grudado em minha mesa de trabalho durante muito tempo, até deixar de ser necessário. A primeira frase implicava justamente isto: eu me propus elaborar uma pergunta por dia – apenas uma já seria suficiente para fazer irromper, da superficialidade da rotina, algum pensamento crítico.
Mais do que respostas, acredito que precisamos de perguntas, e de todo o tipo: lógicas, poéticas, urgentes, ideais, reflexivas, retóricas, impossíveis, e assim por diante. Apesar de ter seguido o plano com mais lapsos do que gostaria, até setembro redigi um total de duzentas e vinte e nove. Então, meu filho nasceu, e as prioridades mudaram um tanto. Sem a cobrança assídua do tal bilhete, acabei me esquecendo momentaneamente da meta e, por fim, assumi seu abandono. Ainda assim, incompleta, ela apresenta um mapa de afetos, lampejos, aprendizados, inquietações, ingenuidades, sonhos, entre outros motivos que inspiraram minhas questões.
A seguir, trago uma seleção delas. Compartilho, desse modo, parte de quem fui em 2021. E torço para que elas também sirvam de provocação para você no ano que vem chegando.
7) Como permanecer ileso?
10) Até que ponto é possível sustentar o sentimento de não ser visto?
20) Como medir a distância entre as coisas e as palavras que correspondem a elas?
22) Existe passado mais passado do que outro? E passado mais presente?
23) Quanto de animalidade resta na humanidade?
30) Em que medida a esperança é só uma ilusão?
31) Como ver apenas as coisas postas, em vez de, nelas e com elas, ver coisas que não estão aqui?
32) Que marcas do passado sobrevivem em meus gestos?
39) Quando se aprende demasiado?
41) O que uma lista de realizações diz a respeito de uma vida?
43) Como fazer com que o tempo seja verdadeiramente livre?
46) Como ver ou ouvir sem julgar? Como suspender o ímpeto de encontrar significado?
49) Por que fizemos essa escolha?
50) Quanto mundo cabe em mim?
55) Quando termina?
56) Existe alegria neste fazer?
57) A obra de arte é parte do mundo ou a sua recusa?
62) Como dizer de agora sem ser evidente?
64) Que saber incide/insiste/existe na matéria?
68) Toda obra contém um público?
71) Repetir é reiterar, ampliar ou esvaziar?
72) Deixamos de fato algo para trás?
77) Existe diferença entre nós e eles?
79) Como ser mais do que o que eu conheço?
80) Como é possível raciocinar sobre algo que é essencialmente sensível?
82) Por que é tão difícil observar com atenção plena?
87) Como tropeçar na lisura?
96) Uma experiência pode perdurar sem ganhar forma?
97) Como é possível uma coisa familiar parecer tão diferente de uma hora para outra?
98) Quanto tempo precisamos para morrer?
100) Por que naturalizamos até mesmo as imagens mais horríveis?
103) É possível que exista hora certa?
108) Para que salvação?
112) Ler histórias nas imagens é o mesmo que encontrar palavras nelas?
116) Ainda é possível falar em belo?
117) A educação do olhar é fruto de um projeto?
122) Que diferença uma palavra pode fazer?
123) O que significa ser tocado por uma imagem?
125) Existe preço justo a pagar pelo capital?
128) Cadê a capacidade de tomar uma atitude diante da indignação?
132) Por que não questionar?
140) De quem é a culpa: do monumento ou de quem o sustenta?
142) Que vestígios deixamos do que não fizemos?
143) Por que demorou tanto?
147) Que diferença faz o detalhe?
148) Como tornar visível somente o visível, sem que com ele apareça qualquer invisível?
153) Em primeiro lugar vem o medo?
155) A imagem pode ser apartada da narrativa?
157) Mais luz para maior visibilidade ou para intensificar as sombras?
160) Como transformar e ainda assim me reconhecer no que faço?
161) Qual é o oco da minha vida?
162) Que ordem pode haver num mundo que tem a morte?
163) Como reconhecer a presença da arte?
165) Como duvidar da realidade estando presente no mundo?
166) Como tornar mais real o que existe?
167) O conhecimento terá mesmo que sacrificar populações inteiras que nele não cabem?
168) Uma existência pode conquistar por si própria sua legitimidade (ou seu direito de existir)?
170) O que é preciso limpar do campo de visão para poder ver melhor?
171) Como saber se não estou sendo atraído por quimeras?
173) O que devo me dedicar a tornar real?
175) Como estar fora estando dentro e permanecer dentro estando fora?
178) Quantas coisas não vou poder nunca mais deixar de saber?
184) Existe uma queda da qual não preciso me levantar?
185) Como identificar o ponto exato em que deixo de ter certeza?
186) Como é possível um tirano ainda ter lugar?
191) Chorar pelo que se foi ou cuidar do que permanece?
195) Por que ainda tolerar tanto?
196) Como identificar preciosidades no banal?
199) Quanto dura um gesto mínimo? Medimos isso em unidade de tempo?
204) Por que insistir?
207) É possível escrever para alguém além de si próprio?
208) Ser influenciado ou pensar junto?
209) Por que acredito ser ocidental?
213) Por quais motivos tão poucos conhecem?
216) Alguma sensibilidade ainda?
217) Como apreciar a beleza conforme seu próprio projeto, em vez de a estimar com o meu preconceito?
218) Que tal criar um cemitério para o que não deu certo? Ou um museu?
220) Como demolir a casa?
221) Quando foi a última vez?
223) É possível haver relação quando não existe compreensão?
228) Baseado em que devo afirmar que haverá amanhã?
Quero acrescentar uma pergunta a essa seleção, que não consta em minha caderneta, mas que continua a me instigar dia após dia: como pode, um recém-nascido, já reconhecer a intenção de um sorriso?