Página 47 do DOCUMENTO PT/AMLSB/RJA/01/018, Arquivo Municipal de Lisboa |
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Ser influenciado pela obra de outrem não pode significar uma receptividade passiva; não se trata de simulação. Melhor é deixar que ela e a sua própria obra colidam, reflitam e se transformem. É uma ação poderosa e, em geral, perturbadora.
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É sempre o livro que escolhe o seu leitor – o contrário é uma ilusão.
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Hoje, e talvez desde sempre, não saber ler imagens é o mais grave tipo de analfabetismo.
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Uma artista me afirmou certa vez que pintar é escrever. Referia-se não apenas ao aspecto narrativo da imagem pintada, mas ao que apresenta também de linguagem, de estrutura, da sua relação com as palavras que a interpretam, com o que ela dá a ver e como é vista. Essa artista não disse que pintar é “como” escrever, não sugeriu uma compatibilidade. “Pintar é escrever”. A pintura é um escrito – embora não necessariamente um texto, claro. Poderíamos responder que escrever é pintar? Que a escritura é também pintura? Uma composição de cores, sensações, espessuras, forças, temporalidades, sugestões, camadas, visualidades, imaginários, ilusões?
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Poesia é a capacidade de tornar visíveis as singularidades onde a princípio vemos apenas lugares-comuns.
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Ao mesmo tempo em que um escrito realiza uma memória, dando a ela a materialidade das palavras, torna-a ainda mais distante, impessoal, autônoma, como um construto, uma invenção, uma obra fictícia da qual o autor já não é o sujeito que a viveu e que sobre ela tem ainda algum controle. Tomamos notas para lembrar; escrevemos para esquecer.
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Como sombras deslocadas do objeto que as produz, personagens são o autor do livro projetado, espelhado, ampliado, negativado, reduzido, distorcido, ou seja, modificado segundo as necessidades da narrativa. Autor e obra são como formas similares e não coincidentes. São e não são. Assim.
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Um escritor precisa ter muito claras as questões que mobilizam sua escrita. O que não significa respondê-las, mas enunciá-las. Somente assim saberá se de fato acredita nelas e se exerce seu ofício com sinceridade. Essa é a única verdade que importa quando falamos em escrever.
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A cada palavra do escritor, a obra pode viver ou morrer. É preciso compreender a responsabilidade implicada nesse gesto toda vez que acrescentar, excluir, modificar palavras num texto. Ao mesmo tempo, somente é possível escrever deixando-as livres para escolherem a si mesmas, sem o controle muitas vezes autoritário do autor. Escrever é manejar esse paradoxo.
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O real motivo do texto é a sua escrita. Qualquer outro produz resultados duvidosos, quando não desastrosos.
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O texto deseja existir por sua conta e risco. Nossa tarefa é tornar essa existência possível. E basta.
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A palavra é sempre um aprisionamento, ela encerra no significado a dimensão maior e mais complexa da vida. Na medida em que cria fissuras no entendimento, subjuga o óbvio, reinventa usos, a poesia tenta escapar dessa limitação. Tentativa deveras frustrada.
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Um texto que não perturba certa ordem preestabelecida não merece ser escrito. Não há escritura real senão em afrontamento.
*Publicado originalmente no jornal Correio Popular.