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Havia Pedro no meio do caminho de Zé Ser, a cobra que veio do Paraíso prosear e versejar e tirar as nossas coisas do lugar. Criatura que desde sempre circula por aí abocanhando o próprio rabo, “que percorre estas bandas em busca de antídoto para monotonia”, nas palavras da própria, ou seja, solução para o tom único, a voz solitária, a ideia fixa. E entre Pedro e a cobra Zé Ser, o que se destaca é, justamente, o “entre”; melhor dizendo, os interstícios que marcam este pequeno livro de Fernando Sousa Andrade. Os intervalos, as pausas, as rupturas, as intermitências, os cortes, os vãos, os hiatos entre a música e o pensamento crítico, entre o verso e a prosa, entre melodias e cenas narradas como lapsos cantados de uma existência meio humana e meio animal.
Esse espaço intermediário é explorado pelo autor com um método capaz de interromper o estabelecido. E o que lemos são, muitas vezes, questões de sujeitos perdidos no universo da linguagem; a linguagem e os sujeitos desconstruídos com esmero, como se Fernando garimpasse palavras nos escombros recém-criados e lapidasse novas possibilidades de sentido, buscando feitos, efeitos e defeitos reversos; as “linhas soltas e fluídas” que atribui aos músicos e filósofos, suas inspirações poéticas. “Toda palavra é só uma ciranda”, diz um dos versos, jogando com o leitor.
Há sem dúvida esses atravessamentos todos em seus Interstícios (Penalux, 2021). São caminhadas poéticas ao ritmo de provas ou trovas. Indeterminações. Cadência de palavras contra certa decadência dos significados objetivos, alguns inesperados, algumas suspensões da lógica que, paradoxalmente, são criadas com analogias precisas, sonoridades e um inegável interesse filosófico. Mas o livro não é uma aplicação de conceitos nem uma suposta composição musical; é mesmo uma experiência literária que se articula entre a palavra e a vida, entre a linguagem dos seres e o silêncio da página branca, em intervalos preciosos que não cessam de acontecer – “eternos interstícios”, diz um dos textos ali reunidos. Fraturas no comum que o abrem para outros espaço-tempos poéticos.