Foto de Dasha Urvachova em Unsplash |
De dengue, febre amarela, chicungunha
bala perdida
assalto, polícia
aids
democracia
sedentarismo
achei que morreria por sonhar
por lutar ou,
tendo vencido,
por velhice
teve momentos em que morrer
seria sorte
ignorância
bênção
e encontrar o além era
esperança
indiferença
tuberculose, canibalismo, chibata
eu tinha tudo para morrer de raiva
estresse esgotamento
piripaque
dizia minha avó
que não está mais entre nós
por desilusão com a vida
achei que a sinceridade me mataria
o tédio, a fome
a precariedade
que só se vê de longe, veja bem
morreria de amor
assassinado, quem diria
e teria valido a pena
senão pularia do viaduto
do chá envenenado
por tristeza
por quem se foi
gritaria até perder o fôlego
adeus!
e me iria em boa hora
nem um minuto a mais
nunca a UTI
o coma induzido
emagrecer e falecer
irreconhecível
como se um outro morresse no meu lugar
queria o acidente
heroísmo
uma legenda favorável, enfim
jaz aqui:
eu, no caso
e diga-se de passagem
nunca pensei nisso a sério
ao contrário do que fiz parecer
não planejei, não
era jovem e
descobri com certo espanto
injustificado, é verdade
a morte leva mesmo
a boa gente,
a boa alma
não faz distinção
quebra o vaso
tira o ar de quem parte
o chão de quem fica
onde?
como foi?
uma tragédia
não se sabe direito
um espirro
embalagem contaminada aperto de mão gole de copo botão de elevador excesso de confiança
a brisa de fim de tarde
noite adentro
eterna.