Foto de Issy Bailey em Unsplash |
cidades futuristas
e existem as cidades
que eu conheço
como aquela
onde nasci
onde quase nada vale a pena ser guardado
nem aponta para um sonho
nenhuma utopia
um lugar que é só presente
para sempre, enquanto durar
poderia ser qualquer lugar do mundo
de alguma maneira é
sem graça
uma lembrança que não se assenta
nem aceita carinho
ou gratidão, tão banal
que é só uma cidade de sobrados gradeados
aos poucos derrubados para no lugar
erguerem prédios banais, também gradeados
com sacadinhas onde casais cansados de si
estiveram uma única vez
e prometeram voltar
falaram nisso, fizeram planos
ainda aguardam a oportunidade certa.
Não haverá
futuro ou memória
apenas este presente infinito
ínfimo, cuja intimidade já não tem mistério
ou sonho
– quem dera utopia
não existe
sequer afago que não seja burocrático, rotineiro
automático, não sei
dias iguais como cada andar do edifício parado
com suas sacadinhas estúpidas
sua disposição padronizada de cômodos
vizinhos, uns como os outros
tão semelhantes
que nem mesmo se cumprimentam
nas áreas comuns, no elevador
por exemplo
vizinhos sem passado ou futuro, gradeados.
Mas eu dizia cidades
onde quase nada vale a pena
– e o quase
faz toda a diferença
sinto que preciso buscá-lo, deve estar por aí
naquela luz acesa quando as demais já dormem
num elevador em que não se fala do calor
– dane-se o tempo presente, ainda dá para encontrar o quase
a falha na programação
fôlego retesado de surpresa
que irrompe da sacadinha e salta no vazio
escapa dos tentáculos mórbidos e
voa, enfim, para longe
àqueles lugares clássicos ou revolucionários
deslocados do agora que é igual ao ontem e à semana que vem
onde se pode experimentar um jeito outro
um pensamento fugaz, um desvio, um desejo
a fagulha que inicie o grande incêndio
das cidades onde nasci e conheci e das quais
sequer me recordo
porque nunca habitaram em mim.