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Foto de Angèle Kamp em Unsplash |
Ainda aprendo, com dificuldade e alguma curiosidade, esses sutis gestos de horror que dominaram o espaço entre mim e o outro. Se antes tal meio parecia esvaziado, agora acolhe a coreografia da tragédia que escapa à cena e se realiza no hall do condomínio, na calçada, nos corredores do mercadinho, onde cabe apenas uma pessoa por vez: devo olhar antes de avançar, ter certeza de que estarei só enquanto o outro, que também precisa fazer seu bolo, titubeia, dá um passo atrás, tenta não violar meu cordão imaginário de isolamento. E se por acaso erro o passo a dança desanda, como o creme que pretendia confeitar com este açúcar, essência, desejo. Os humores, vencidos, talham. A paranoia fermenta admiravelmente, por sua vez. Confunde-se com o cuidado comigo e com meus semelhantes, assassinos potenciais. Isolamento tornou-se atitude social. Cárcere privado eletivo. Os paradoxos não se eximem de aparecer para um café amargo. Dia desses, no trabalho, anunciou-se: ao manter distância você mostra ao colega que se importa com a vida dele. Não fosse terrível, seria divertido. Não fosse atroz, não sei. O tempo dirá. Espero. Mesmo os gestos mais estranhos, aos poucos, tornam-se banais. Há duas semanas eu diminuía o ritmo na calçada para observar meu reflexo mascarado nos vidros dos carros estacionados. Ontem fui beber água e a derramei por todo esse mesmo filtro que me cobre a boca, nariz, corpo, família, futuro.
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