Eu costumava sonhar que lutava com um sujeito sem rosto, nunca soube quem era. Para mim, no sonho, não fazia diferença. Eu sequer tentava descobrir. Nós lutávamos, isso era tudo. Podia ser boxe ou uma briga desregrada. Era sempre uma luta de mãos. Eu me lembro bem porque sonhei muitas vezes. E também porque era lenta, eu diria que era uma luta excessivamente lenta, como se assistisse a um filme frame a frame. Às vezes, com a câmera em primeira pessoa, pelos meus próprios olhos. Outras vezes eu me assistia de fora, consciente de que um dos lutadores ali adiante continuava a ser eu mesmo. Fosse como fosse, a luta seguia em ritmo vagaroso. Com um esforço imenso, eu tentava atirar o punho na direção do adversário. Era pesado demais. Eu acompanhava cada milímetro do movimento. A pele do cotovelo enrugava, a musculatura do antebraço ganhava forma alongada. O suor escorria da testa, contornava as curvas da face até pingar no chão. Ssssppllaaasssssssshhh. A gota mergulhava em si mesma, explodia em gotículas. Eu via acontecer em detalhes. Meu punho errava o alvo, passava perto, mas errava e abria a guarda. O golpe contrário também era lento, porém nem tanto. Ele se projetava na minha direção um pouco mais rápido do que o necessário para eu desviar. Antes da certeza de ser atingido, o sonho acabava. Eu costumava acordar nessa hora com os ombros rijos, tentava me virar na cama para dormir de novo. Fechava os olhos e a luta recomeçava.
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Eu costumava sonhar que voava. Na verdade, eu corria uns metros para pegar impulso, saltava no ar e planava para cima, como se fosse possível. No sonho era. E não havia voo sem a decolagem. Era preciso correr, saltar e manter o corpo reto, horizontal em relação ao solo, os braços estendidos para frente como faz o Super-Homem. Eu nada tinha de super. O voo, no sonho, era sempre a iminência da queda. Eu despencaria a qualquer instante, bastaria um vacilo para me estatelar, talvez bastasse duvidar da minha própria capacidade. Eu não duvidava. Planava perto do chão, a mais ou menos um metro de altura, e o máximo que consegui alçar foi a copa de uma árvore calva. Apesar do movimento nem um pouco vigoroso, a sensação era boa demais. Meu corpo desengonçado mantinha-se suspenso no nada. De fato, sequer o ar me sustentava. Eu só voava por causa da frágil disposição do corpo. Era tudo perfeitamente crível, podia saltar e funcionaria. Eu não me lembro de como despertava desse sonho. Não queria despertar jamais.
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Eu costumava sonhar que um carro me perseguia na rua. Não um motorista, por favor, não me entenda mal. Era somente o carro. Certeza que desejava me matar, não pergunte por quê. Eu corria e ele vinha atrás, eu tentava enganá-lo e ele logo percebia. Não havia tempo para discussão. Eu subia com toda a velocidade por uma escada caracol e ainda assim o carro insistia, ele fazia a curva devorando os degraus, espremendo-se entre corrimãos, e atirava-se no meu encalço. A perseguição se estendia por quarteirões, esquinas, elevadores, túneis, desertos, rios. Não parecia haver escapatória, ainda assim eu continuava a fugir. Hoje penso que, se o carro quisesse de fato me matar, não demoraria tanto. Não precisaria demorar.
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Eu costumava sonhar que caía. Jamais chegava ao chão, eu apenas caía e caía e caía, cada vez mais para dentro desse fosso ininterrupto. Eu voltava a cabeça para trás e não enxergava nada, não havia luz de onde eu vinha. Tampouco havia luz adiante, eu caía direto no escuro sem de fato atingi-lo, sem saber do que me afastava e do que me aproximava. Se tudo ao meu redor era cego, como ter certeza de que caía? Não havia referência exterior. Eu não passava por objetos estáticos ou em queda menos brusca, tampouco havia qualquer parede no fosso; aliás, eu não deveria chamá-lo assim, era apenas um completo breu. Nada havia para ver, mesmo com os olhos bem abertos. Evidente, eu sabia que despencava por causa da sensação; o frio na barriga, a falta de ar provocada pelo excesso de velocidade, o vento ruidoso que agitava meus cabelos e esticava as bochechas para trás. Eu podia despencar no meu próprio vazio? A queda era somente a sensação da queda, isso é tudo o que posso afirmar. A certeza ia até aí. Eu despertava em minha cama. Aquele era o fim.
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Eu costumava sonhar. Agora não mais. A neurologia diz que a atividade cerebral não para. A psicanálise sugere que eu já não me recordo dos sonhos porque desenvolvi algum mecanismo de defesa contra eles. Eu gostaria de chamá-los de pesadelos, tamanha a inquietação que provocavam, tamanha a estranheza deles e a impotência minha, mas ao mesmo tempo não acho justo. Aposto que há sonhos piores. Seja como for, se não me lembro mais, meus sonhos ainda existem? Que existência é essa? Não sei. Eu apenas durmo e horas depois desperto como se nada tivesse se passado entre um momento e outro. Na maioria das vezes durmo bastante, de acordo com o relógio. Em outras noites pareço dormir muito, só que na realidade acordo apenas uma hora após ter me deitado. Como saber se não me engano? Como saber se desperto para fora do sono ou para dentro do pesadelo?