Cartas de agradecimento (2015), Chiharu Shiota |
Por trinta dias estive de férias e tentei uma experiência: quis me desconectar da urgência por informação e pertencimento virtual. Foi bom, está sendo bom e sustentarei um pouco disso na medida do possível. Para dosar essa vontade é necessário assumir que não conseguimos estar completamente conectados ou desconectados da rede – uma ingenuidade utópica acompanha ambas as opções. Por sua vez, somente uma parcela mínima de toda essa informação a que estamos expostos se converte em experiência, e o tempo dedicado a ela poderia ser melhor aproveitado, seja fazendo outra coisa, seja fazendo nada.
Lembro-me de um post de Facebook em que a pessoa se fotografou numa lagoa "distante da civilização" e escreveu: "Nada como me desconectar". Lembro e sorrio; ela foi até a lagoa, tirou uma selfie com o celular, compartilhou na rede e ainda acreditava estar "desconectada". Sim, é difícil arrancar o plugue da tomada. Talvez seja pior ainda aceitar que, no fim das contas, ele não faz tanta diferença assim. Não existe necessidade de vivermos conectados virtualmente a tudo e a todos a todo instante. Isso é uma bobagem à qual o "estilo de vida moderno" deseja nos incorporar. Por outro lado, não é o caso de considerar patológico o uso de tablets, smartphones, smartwatches, entre outras engenhocas high-tech que continuamos a inventar. Ouço a crítica com frequência: “Esse aí é viciado em celular”, “A criança só quer saber de tablet” etc. Por excessivo que seja, falta de bom senso é diferente de doença. Além disso, já somos hipocondríacos o suficiente.
Claro que um bocadinho de noção sobre o que está acontecendo não faz mal a ninguém, seja qual for sua opinião a respeito, seja qual for a atitude que tomará a partir daí. Só não pense que certa desconexão, na medida em que é possível e saudável, significa optar pela ignorância, como se fechássemos as portas para o mundo atual ou quiséssemos nos isolar dessa humanidade cool. Negar a tecnologia e seus benefícios é uma barbaridade. As oportunidades de conhecimento que hoje temos à disposição estão entre as maiores conquistas de todos os séculos.
Se não é de negação que falo, é de produzir consciência: saber se desconectar é a inteligência que precisamos exercitar. Perceber o esforço empregado nessa ilusão de compartilhar experiências com o mundo inteiro, quando na maior parte do tempo apenas buscamos distração ou fuga das nossas próprias realidades. E pesar os prós e contras desse esforço.
Neste contexto atual de superexposição, é prudente desenvolver a inteligência de nos recolher quando necessário, de selecionar aquilo que nos chega e a forma como vem. Temos que desenvolver a inteligência de gerir nossos veículos de informação ao invés de sermos dirigidos e digeridos por eles. Aprender a dizer não, a não estarmos sempre disponíveis, a organizar nosso dentro e nosso fora, a controlar o que entra e o que sai por essa membrana sensível, por vezes tratada com relapso. O que ainda nos cabe? Qual é o nosso limite?
Uma amiga fez a corajosa escolha de não receber notícias em primeira mão via mídia convencional, seja revistas, noticiários, sites ou rádios. O que chega a ela percorre outros caminhos, outros filtros, outras temporalidades. Ao contrário do que parece, ela é uma das pessoas mais bem conectadas com o contemporâneo, sustentando com ele uma fina sintonia ao mesmo tempo em que está de alguma maneira protegida dos perigos (de aparência inocente) que vão nos afetando aos poucos sem que os percebamos, até que se tornam "normais". Ao tomar aquela decisão, restou tempo e disposição para ela desenvolver novas formas de relação com os outros; sensibilidades mais aguçadas, maneiras mais profundas de apreender o que acontece à sua volta e que a toca, seja no círculo imediato (família, amigos, trabalho), seja no outro lado do planeta. Há tantas outras formas de conexão possíveis!
Cartas de agradecimento (2015, detalhe), Chiharu Shiota |
Ilya Prigogine, Nobel de Química em 1977, escreveu no fim do século passado uma "Carta para as futuras gerações", na qual afirma: "Estou convencido de que estamos nos aproximando de uma bifurcação conectada ao progresso da tecnologia da informação e a tudo que a ela se associa, como multimídia, robótica e inteligência artificial. Essa é a 'sociedade de rede', com seus sonhos de aldeia global. (...) Minha mensagem às futuras gerações é de que os dados não foram lançados e que o caminho a ser percorrido depois das bifurcações ainda não foi escolhido. Estamos em um período de flutuação no qual as ações individuais continuam a ser essenciais".
Segundo ele, a ciência de hoje nega o determinismo, e essas bifurcações que exigem de nós uma tomada de decisão são ao mesmo tempo sinal de instabilidade e de vitalidade. Em suas palavras: "Quanto mais a ciência avança, mais nos espantamos com ela. (...) O homem é até agora a única criatura viva consciente do espantoso universo que o criou e que ele, por sua vez, pode alterar. A condição humana consiste em aprender a lidar com essa ambiguidade. (...) Cabe às futuras gerações construir uma nova coerência que incorpore tanto os valores humanos quanto a ciência. (...) Não precisamos de nenhum tipo de pós-humanidade. Cabe ao homem tal qual é hoje, com seus problemas, dores e alegrias, garantir que sobreviva no futuro".