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segunda-feira, 15 de outubro de 2012

A PINTURA COMO DISCURSO, PENSAMENTO E PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO

Quando Felipe Góes disse que eu poderia escolher uma ou mais pinturas e levar para casa, eu achei que ele estava ficando maluco. "Pode levar todas se preferir, assim vocês terão um tempo juntos para se conhecerem melhor". Imagine a responsabilidade de andar por aí com obras de arte! E se me roubam o carro? Ou se derrubam água sanitária em cima? Sabe-se lá que tipo de tragédia pode acontecer, é melhor não dar sopa para o azar. Por isso, quando aceitei a proposta e cheguei em casa com uma tela sua debaixo do braço, percebi que aquilo já havia me contagiado também.

Foi mais ou menos assim que iniciamos o trabalho deste ano, que rendeu três exposições individuais em museus e centros de cultura de Porto Alegre, Goiânia e Castro. Eu queria colaborar com Felipe desde que o conheci, portanto fiquei bastante entusiasmado quando surgiu a oportunidade e ele fez o convite.

Estávamos sentados num café no bairro de Pinheiros, São Paulo. Passamos a nos encontrar durante o almoço ou no fim de tarde para ver as pinturas, trocar ideias, estruturar um pensamento que servisse de proposta curatorial para cada exposição e também para entender melhor nossas próprias convicções estéticas, as quais se transformavam no decorrer do processo. Foram diversos encontros, páginas e páginas de anotações, finais de semana inteiros pesquisando, dezenas de e-mails e muita vontade de ambas as partes para colocar os projetos de pé.

O que significa pintar no contemporâneo? Essa era a questão-chave. Cada seleção de trabalhos parecia oferecer uma resposta apropriada, complementares ou divergentes entre si, o que já se mostrava bastante sugestivo. A nossa missão era fazer com que elas ficassem evidentes para os visitantes. Na Usina do Gasômetro, em Porto Alegre, as pinturas chamavam atenção para os estímulos visuais por meio dos quais inventamos o mundo ao nosso redor e que despertam emoções ocultas na memória; o limiar entre o figurativo e o abstrato, a racionalidade do dia e o vago sentimento dos sonhos. No Museu de Arte de Goiânia, tratamos do processo criativo do artista, levando a público experimentos que nunca haviam deixado o ateliê, além de apontar para o espaço expositivo e para a ocupação que tanto a arte quanto as pessoas fazem dele. Por último, na Galeria Ondas do Yapó, em Castro, Paraná, tratamos da experiência sensível dos visitantes, da construção de discurso e pensamento, da transição entre as maneiras de compreender o mundo, que muitas vezes se assemelha ao transitar entre as camadas de tinta de um quadro. Queríamos ver além da superfície, avançando no subjetivo.

Essas três possibilidades, entre tantas outras que gostaríamos de explorar, deixam claro que não há uma resposta exata para a questão que as provocou. Pintar, no contemporâneo, significa muitas coisas. Se podemos afirmar algo, talvez seja apenas que não se trata de um formalismo alienado e tampouco de uma afirmação de verdade com pretensão de ser única. Pintar é um método de produzir conhecimento, de lidar com o múltiplo, criar diferentes conexões e apreensões de tempo, espaço e sociedade.

Quando se aplica o primeiro borrão de tinta sobre a tela, ativa-se uma porção de problemáticas, que não é função do artista resolver. Não se espera da arte uma solução, mas sim o questionamento em si. O artista percebe e reúne problemas, apropria-se deles e os transforma, transgride, refaz, de modo que sejam apreendidos sob outro ponto de vista. Às vezes, a construção se dá pela própria desconstrução. O objetivo, entretanto, permanece inalterado: provocar reações e, se possível, reflexões.

Como escreveu o pintor, professor e pesquisador Marco Giannotti no livro Breve História da Pintura Contemporânea, "a pintura cria um campo de experiência, um espaço existencial; não cabe mais ao artista descrever um mundo dado, mas transformá-lo a cada instante".

Eu e Felipe desejamos que o trabalho deste ano tenha contribuído, de alguma maneira, para dar novo fôlego aos problemas do homem com os quais a pintura tenta lidar. Porque uma pincelada, por menor que seja, carrega consigo o potencial para resignificar a composição inteira.