“Temos que nos livrar das pegadas da cilada romântica que alia a criação à dor. Qualquer situação em que a vida se vê constrangida pelas formas da realidade e/ou o modo de descrevê-las produz estranhamento. Segue-se um desconforto que mobiliza a necessidade de expressar o que não cabe no mapa vigente, com a criação de novos sentidos, condição para que a vida volte a fluir. É nisso que consiste a experiência estética do mundo: ela depende da capacidade do corpo de fazer-se vulnerável a seu entorno, deixando-se tomar pela sensação da disparidade entre as formas da realidade e os movimentos que se agitam sob sua suposta estabilidade, o que coloca o corpo em ‘estado de arte’. É uma espécie de experiência do mundo que vai além do exercício de sua apreensão reduzida às formas, operado pela percepção e sua associação a certas representações, a partir das quais se lhes atribui sentido.”
Suely Rolnik, no catálogo da mostra Arquivo para uma obra-acontecimento: projeto de ativação da memória corporal de uma trajetória artística e seu contexto
Foto: a artista brasileira Lygia Clark, criadora da obra Estruturação do Self (ver foto abaixo) e um dos principais assuntos de estudo da psicanalista Suely Rolnik.