Quando Rodrigo de Moraes, editor assistente do Caderno C, perguntou se eu não teria uma foto minha para estampar esta coluna, desencadeou, sem querer, uma série de pensamentos existencialistas que culminaram na batidíssima questão: quem sou eu, afinal?
Exagero? Ora, um pouco de exagero nunca é demais, e a verdade é que eu não sou muito afeito a exibir o rosto por aí, preferindo sempre me ocultar atrás do codinome Edu Almeida. Por quê? Para ser sincero, não sei. "O que sou e o que escrevo são uma coisa só. Todas as minhas ideias e todos os meus esforços, eis o que sou.", disse C. G. Jung certa vez, e eu sempre levei a sério os pensamentos daquele simpático velhinho suíço, tanto que essa sua frase consta em meu blog desde que o criei. Além do mais, acho que nunca confiei no modo como a imagem lida com o conteúdo, principalmente quando ela precisa sustentar o enorme peso de uma identidade. Não basta, percebe? A imagem reduz tudo a um instante, um ponto de vista, uma gama de cores. Não precisa nem se tratar de uma pessoa, pode ser uma paisagem mesmo, daquelas que você fotografou na sua última viagem de férias – a imagem, no máximo, sugere a sensação do lugar; jamais será o lugar propriamente dito, visto e experimentado.
Convenhamos, nosso comportamento está intimamente atrelado à visão, então é natural que a imagem fale mais alto. Veja só o grau de confiança que uma testemunha ocular recebe, no caso de um crime, por exemplo, enquanto uma testemunha olfativa viraria motivo de piada. Só que os olhos também se enganam. O mesmo vale para os nossos preconceitos. De repente, alguém não vai com a minha cara e deixa de ler a coluna só por causa da foto. Uma imagem, mil palavras, sabe como é... Acontece direto comigo. Se não gosto de um sujeito à primeira vista, ele precisará de muita lábia para me convencer do contrário, ainda mais porque acredito cegamente em meu sexto sentido.
No caso do jornal, havia também uma questão prática: que foto usar? Essa é muito antiga, naquela estou despenteado, naquela estou acompanhado, esta outra tem fundo difícil de recortar, tem sorriso torto, olho fechado... que lástima! Sem contar que eu adoro tirar fotografias e, na maioria das vezes munido de câmera, acabo não aparecendo em nenhuma. Enquanto isso, milhões de anônimos entulham seus perfis de redes sociais com todo o tipo de retrato, sem vergonha de serem felizes. É mesmo um desprendimento admirável.
Vão dizer que é frescura, mas sou publicitário, sei que o poder da imagem é comprometedor. Ele resume você a uma falsa realidade: um instante específico, um olhar perdido, um estilo de roupa, uma luz, um peso e uma altura que, como tudo na vida, estão sempre em mutação. Quer dizer, a imagem é necessariamente uma ilusão. Não se pode confiar nela.
Já fui vítima desse poder e tentei ludibriá-lo. Comecei a escrever cedo, jovem o bastante para que não me atribuíssem o devido crédito. Então, eu deixava a barba crescer, para disfarçar, vestia roupas sóbrias, tentava parecer mais velho manipulando a imagem que faziam de mim. Funcionava – ou, pelo menos, eu achava que sim. No escritório, era a mesma coisa: eu tinha subordinados com mais tempo de carreira e, na época, acreditava que hierarquia era determinada pela data de nascimento. Não revelava a idade de jeito nenhum, deixava o povo confabular. Coisas da juventude, não há como ocultá-las.
Não se trata de mania pessoal. Em regra, as pessoas não gostam de aparentar, digamos assim, o "grau de experiência". Tenho amigos e amigas lindos que se acham decrépitos só porque já passaram dos trinta. Ou dos quarenta. Ou dos cinquenta, que seja. Uma pena.
Outro dia, uma dessas amigas fez um ensaio fotográfico para guardar como recordação – ou "para a posteridade", como gosto de pensar. Teve direito a cabelo, maquiagem, figurino e photoshop. Me diverti à beça com os elogios decorrentes: "Nossa, as fotos ficaram lindas. Nem parece você!" Ela estava entusiasmadíssima, preferi não polemizar. Mas achei um paradoxo absurdo alguém ficar linda na foto justamente porque deixou de parecer consigo mesma. É assim que a história da humanidade vai sendo escrita.
Eu ri, na ocasião, e depois sofri do mesmo mal. Na falta de alternativas, resolvi improvisar um retrato novo para esta coluna e, devido ao resultado pouco animador, pedi a um amigo que fizesse leves retoques. Apagar uma espinha, corrigir olheiras, ajeitar uns fios de cabelo que saíram do lugar bem na hora do clique. Coisinhas assim, fugazes. Ele foi lá e, pelo bem da amizade, me recompôs. Portanto, se você quiser saber como sou, de verdade, direi que pareço com o cara aí do alto, só que mais real.
Meu próprio pai, que nunca foi disso, teve que renovar o RG e, quando viu a foto tirada lá, na hora H, ficou desconsolado. Aquele senhor grisalho, de óculos, era velho demais para ele. Calúnia! Cancelou o RG, fez a foto em outro lugar e voltou no dia seguinte rejuvenescido.
Isso me lembrou mais um caso, que conto agora para terminar de vez com o papo furado. Está mais para uma lenda do rock, não sei até que ponto é verdade, mas dizem que Neil Young, depois de gravar um primeiro disco muito bom e assinar contrato para outro, acabou processado pela gravadora porque, no segundo, já não se parecia mais com o Neil Young original. É mole? Sei lá quem ganhou o páreo... Como é que se comprova a própria autenticidade?
Pois bem, eu continuo mesmo acreditando no bom e velho Jung. Sou o que escrevo, muito mais do que aparento, e vou ser um novo eu a cada frase, a cada pensamento, a cada inspiração, mesmo que a foto da coluna permaneça a mesma. Se ela não agradar, peço que coloque o polegar em cima e ignore. Para saber de verdade quem eu sou, continue a me acompanhar aqui, mensalmente. Aos pouquinhos, vou revelando interesses, trocando ideias, puxando papo. Entre o ser e o nada, vamos, juntos, descobrindo nossas verdades mais profundas.