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sábado, 9 de julho de 2011

EDITOR DA NOSSA HISTÓRIA


Não faz muito tempo, a Edusp e a Com-Arte lançaram um livro com o título de Paula Brito – Editor, Poeta e Artífice das Letras. Trata-se de uma coletânea de ensaios a respeito da produção desse que é considerado o primeiro editor do Brasil – ou, como o definiu Machado de Assis, "o primeiro editor digno deste nome que houve entre nós". Uma publicação importante, já que a história da nossa literatura é tão conhecida quanto o final de um livro inacabado. Pois bem, eu lia uma reportagem a respeito e alguma coisa parecia desconexa ali, só não sabia dizer o quê. Caminhando distraidamente pela página, demorei a perceber que era a foto, estampada bem no centro, que me inquietava: o tal editor era negro.

Estamos falando de outro Brasil, acontecido praticamente duzentos anos atrás. Francisco de Paula Brito nasceu em 1809, num Rio de Janeiro escravocrata e precário, dependente de Portugal em quase todos os sentidos. Nossas primeiras tipografias tinham sido inauguradas apenas um ano antes, com a vinda da família real, e publicar qualquer coisa por aqui era difícil, perigoso e praticamente inútil, já que a maior parte da população não sabia ler.

Toda história promissora começa mesmo com um drama. De origem humilde, descendente de escravos e autodidata, esse negro conseguiu um feito incrível para sua época e condição: levou uma vida dedicada às letras, tornou conhecida nossa produção literária de meados do século XIX e fez de A marmota um dos principais periódicos da primeira fase da imprensa nacional.

Apelidado de "artífice das letras", Francisco também era poeta, ainda que tenha se destacado não por conta de seus escritos, mas de seus escritores: Machado de Assis, Casimiro de Abreu, José de Alencar e Basílio da Gama, entre outros – nomes que, ao contrário do seu, vivem pipocando por aí.

Editar obras desse porte não é tarefa para qualquer um. Quando me dei conta do significado, a façanha me pareceu inacreditável. E mais inacreditável ainda é um herói do nosso povo ficar esquecido durante tanto tempo.

O Brasil é mesmo um país que não se cansa de me surpreender. Toda vez que a gente se desentende, ele saca um punhado de flores e me conquista de novo. Temos uma imensa desigualdade social, o maior leão do mundo se alimenta do nosso suor sem dar nada em troca, somos maltratados aqui dentro e lá fora, ninguém acredita muito em nosso potencial, nem a gente mesmo. Por aqui, rola uma corrupção tão escancarada que faz parecer errado agir certo, como se ética fosse coisa de ingênuo sonhador. Certo mesmo é agir errado, dizem, porque o mundo é dos espertos. Alguém contradiz?

Pois é, são absurdos que, de tão repetidos, já nem surpreendem mais. Logo vem alguém tentar me convencer de que o problema é cultural, mas cultura, para mim, é outra coisa. Cultura é coisa boa, enriquecedora, dessas que transformam bichos em seres humanos civilizados, solidários e justos. É a cultura que me faz manter intacta a esperança de que, um dia, quem sabe...

O Brasil tem jeito sim. O que me confirma isso são homens e mulheres como Francisco de Paula Brito, que acreditam num bem maior e lutam para concretizá-lo. Um filho do povo que, certa vez, escreveu: "a eternidade depende das obras úteis: se ele as fez, quaisquer que elas sejam, mas de que se aproveitem os presentes e os vindouros, esse homem vive na glória".

Para nossa sorte, conheço um monte de franciscos assim, compartilhando conosco o agora, trabalhando quase sempre no anonimato, mas fazendo acontecer, criando, melhorando, ensinando etc.; ou seja, produzindo essa nossa cultura que é uma obra sempre em processo de formação e transformação. Tal como acreditava o primeiro editor da nossa história, esses homens vivem na glória, ainda que o país demore para reconhecê-los. Ele próprio apareceu só agora para comprovar.