Tenho ouvido muito esse disco [Chopin: The Nocturnes, de Nelson Freire]. Aliás, desde que o comprei, é praticamente tudo o que tenho ouvido. Ele acalma e ajuda a controlar os nervos – para explicar de maneira racional –, e depois da ansiedade que vivi nos últimos dois meses, em diversos momentos precisei dele para manter a cabeça no lugar. Mas não é só isso, claro. Sempre admirei os Noturnos de Chopin. Acho incrível como um músico e seu piano conseguem nos transportar pelo mundo dos sonhos, e então nos trazer de volta para a noite clara, imprimindo sensações de bailes agitados e também de solidão, desde a inércia contemplativa à ludicidade total. Ouvir os Noturnos é como caminhar livremente pela inconsciência, ou sonhar acordado num outro século, num outro continente, dentro da própria imaginação. Foram minhas melhores fugas da realidade, com certeza, e não há por que me envergonhar delas se acabo sempre por retornar mais forte, mais seguro de mim mesmo, pronto para enfrentar a sólida natureza do dia que vai se impor. Enfim, não basta um músico e um piano para provocar tudo isso, claro, assim como não é possível explicar racionalmente o que Chopin, pelas mãos de Nelson Freire, me possibilitou sentir. Só posso dizer que devo muito a ele. Séculos depois, continuamos todos a dever. Espero sinceramente que, de uma maneira ou de outra, ele também lhe possibilite uma experiência especialmente bela. Já que a explicação racional não basta, é melhor ligar o som, fechar os olhos e mergulhar por si mesmo nessa nova realidade.
Um forte abraço,
*Carta aberta ao amigo João A. Frayze-Pereira.