Após alguns versos sobre a noite louca da metrópole, movimentada, barulhenta e insone, o poeta diz:
"Hora de delicadeza,
gasalho, sombra, silêncio.
Haverá disso no mundo?
É antes a hora dos corvos,
bicando em mim, meu passado,
meu futuro, meu degredo;
desta hora, sim, tenho medo."
É por essas e muitas outras que me parece impossível não gostar do Drummond. Quem mais, senão ele, seria capaz de criar imagens tão simbólicas como essa dos corvos, bicando o corpo que parou no tempo e que, justamente por isso, virou passado? Um corpo que se modifica a cada bicada, que é sempre uma entidade em formação e que, portanto, também é futuro. Um corpo sem dono, condenado ao degredo e abandonado pela eternidade. Uma imagem que dá medo, claro, mas que também nos coloca para pensar.
Homem de olhar profundo e de versos simples, porém marcantes: esse é o Drummond. Não há como não gostar dele, sempre digo isso. Digo também que, se alguém não gosta de poesia, é porque não conhece o Drummond.
Achei que seria justo fazer essa homenagem, assim como a toda essa maravilhosa arte que ele nos proporciona. Uma homenagem surgida do acaso, porém acolhida com muito carinho. Uma rosa para o povo, outra rosa ao poeta.
