Quando ouvi comentários sobre a série Verso, do brasileiro Vik Muniz, achei que se tratava apenas de mais um factoide inventado para chamar atenção da mídia. Ele tinha selecionado diversas pinturas e fotografias famosas, reproduzido o verso das mesmas com o maior realismo possível e as exibido numa galeria de Nova York. O que poderia haver de interessante naquilo? Na ocasião, achei que nada. Mas algo ficou em meu inconsciente, algo provocador, exigindo uma reflexão a respeito. Até que, na última quarta-feira, comprei o catálogo da mostra e dediquei algum tempo às ideias do artista. Descobri que meu pré-julgamento estava errado – como todo pré-julgamento costuma estar – e que a série tem seus méritos, alguns verdadeiramente relevantes.
Entre eles, por exemplo, está o de revelar que a parte de trás dos quadros se transforma de um jeito diferente da frente. As marcas do tempo ficam mais perceptíveis ali. Na medida em que viajam para exibições mundo afora, as pinturas ganham adesivos, anotações e arranhões – espécie de carimbos de passaporte. Dá para desvendar todo o seu trajeto por meio deles.
As fotografias, por sua vez, até o advento da era digital, receberam notas no verso sempre que foram publicadas por algum veículo de comunicação, que vão desde uma simples data até a própria legenda ou manchete que as acompanhou. Visitamos, assim, os bastidores do espetáculo, como diz o crítico Luc Sante no texto de apresentação do catálogo.
Outros dois pontos importantes para compreender a proposta de Vik Muniz são:
1) A questão do fac-símile. Pois o que estava em exibição em Nova York não eram os versos originais das obras, mas reproduções deles, que poderiam ser consideradas quase tão enganosas quanto uma falsificação deliberada da frente, não fosse o aviso do artista. Ainda que a cópia tenha sido realizada com uma minúcia inimaginável, sabemos que, ao virarmos as peças, não encontraríamos nenhuma pintura ou fotografia do outro lado.
2) Posicionar a série no conjunto de trabalhos do artista. Porque a escolha dos versos foi criteriosa – como ele mesmo diz na entrevista concedida a Eva Respini –, tanto as pinturas quanto as fotografias deveriam despertar a imagem original na mente dos espectadores pela simples menção do título. Vik Muniz continua, dessa maneira, a trabalhar com ícones da História da Arte e com a ambiguidade, duas das suas marcas que podem ser vistas em obras anteriores feitas com chocolate, pigmentos coloridos e lixo.
Por fim, acredito ainda que o maior dos méritos do artista é mostrar que os versos daquelas obras nos ajudam a compreender melhor a imagem da frente e seu lugar na história. Com essa série de reproduções inusitadas, Vik Muniz nos revela um segredo que antes pertencia somente aos curadores, às equipes de montagem de exposições e aos restauradores dos museus. O verso é a face oculta que, em diálogo com a imagem original, acaba por complementá-la, preenchendo uma lacuna que eu jamais me dera conta de que existia. Com perspicácia, técnica e muita curiosidade, Vik Muniz nos permite fazer novas leituras daquilo que já está tão presente em nossas memórias visuais.
Saiba mais sobre o artista: Vik Muniz e Artsy.net