Tive o prazer de ler o romance Laranja Mecânica (1962), de Anthony Burgess, e na sequência rever o filme homônimo (1971) de Stanley Kubrick. É uma experiência que recomendo a todos e não somente a ser realizada com essas duas obras-primas, mas com todos os romances, roteiros e adaptações cinematográficas disponíveis. Só não se prenda àqueles comentários típicos de “o livro é melhor que o filme, é muito mais completo”. Pois é normal que seja mais completo – no livro, a história pode se estender, os dramas se aprofundam, os personagens parecem mais próximos e é o leitor quem dita o ritmo. O filme, em compensação, costuma ser um recorte do livro, uma maneira de lê-lo, uma interpretação pessoal e, por isso mesmo, uma nova criação feita nos moldes próprios do cinema. Em outras palavras, o filme sempre será diferente, porém não necessariamente melhor ou pior.
É o caso de Laranja Mecânica, em que ambas as produções são magníficas. O romance, por inovar o gênero de ficção futurista – ao invés de criar máquinas voadoras e pistolas de laser, Burgess inventou uma espécie de dialeto que, ao mesmo tempo em que causa estranhamento, permite ao leitor se identificar rapidamente com o universo proposto. É um futuro mais plausível do que o descrito no romance “1984”, de George Orwell, e mais realista do que o de “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley.
No filme, por sua vez, fica claro o esforço de Kubrick no sentido de recriar a atmosfera do Laranja Mecânica original e de resolver visualmente situações sugeridas apenas com palavras pelo escritor – coisa que ele faz com talento e perspicácia. Os cenários são ao mesmo tempo futuristas e bizarros, os personagens são fortes e a narrativa não se alonga além do necessário. Para isso, diversos trechos do romance tiveram que ser suprimidos e outros tantos modificados. O motivo é simples: algumas coisas que são aceitáveis no papel perdem o apelo na tela, caso sejam tomadas ao pé-da-letra. Quais seriam elas? Só vai descobrir quem estiver disposto a repetir minha experiência de ler o romance e assistir ao filme.
Vou citar apenas um exemplo para incentivar sua empreitada: Laranja Mecânica foi publicado na Inglaterra com os 21 capítulos originais. No entanto, os editores norte-americanos acharam que seu final otimista não combinava com o resto da história e simplesmente excluíram o último capítulo. Quando Kubrick escreveu seu roteiro, tomou por base esta edição do livro. É por isso que as duas histórias acabam de jeitos bem diferentes.
Para quem se interessar pelo romance, indico esta edição nacional, que além do texto original completo traz ainda um vocabulário do linguajar Nadsat (utilizado pelo protagonista Alex e seus druguis), um prefácio esclarecedor escrito por Fábio Fernandes e interessantíssimas notas sobre a tradução: Editora Aleph