Foi com essa lógica ácida e simples que o grafiteiro inglês Banksy conquistou minha admiração. O primeiro contato com sua obra ocorreu recentemente, quando ele reinventou a vinheta de abertura do seriado Os Simpsons a convite da produtora e obteve repercussão bastante polêmica. Na ocasião, Banksy criticou o próprio programa, o sistema capitalista de que faz parte, a máquina industrial chinesa, o trabalho infantil e a atitude indiferente da sociedade que consome os produtos desse processo. Tudo isso em pouco mais de um minuto de desenho animado.
Acho muito difícil concordar totalmente com alguém que viola e depreda patrimônio alheio – público e particular – para exercer sua arte. Mas assumo que o trabalho de Banksy, apesar do meio em que atua, é no mínimo intrigante. Veja bem, a abertura de Os Simpsons foi uma exceção, quase toda a produção do artista está nas ruas. Então, fico me perguntando se é possível dissociar o grafite desse meio; quer dizer, será que ele se sustentaria se não estivesse ocupando ilegalmente os muros da cidade? A resposta mais provável é "não".
Banksy precisa dos muros, mesmo que essa dependência não seja recíproca. Ele precisa da ilegalidade, do atrevimento, pois é isso que dá significado às suas criações – para não dizer visibilidade. Grafite sem violação é alma sem corpo, que vaga por aí sem jamais ser percebida pelos passantes.
Por mais que às vezes eu me convença das reais necessidades dessa prática, do engajamento, da subversão dos valores, da crítica política e social, como poderia justificá-la? Como poderia argumentar a favor, estando do lado da lei? Não, defendê-la seria hipocrisia, seria abrir precedente para diversas outras práticas tão ou ainda mais danosas. Nosso papel nessa relação é ser contra. Aquela obra precisa dessa forma paradoxal de legitimação para sobreviver, precisa dela tanto quanto das paredes em que ganha corpo, precisa da madrugada, da adrenalina e da ousadia. Em outras palavras, o consentimento da comunidade destruiria o conceito da obra ou, no mínimo, a condenaria a se adequar ao universo da arte reconhecido oficialmente – título que, com certeza, o grafite não deseja.
Como disse antes, é muito difícil estar totalmente de acordo com Banksy e seus semelhantes, mesmo que os argumentos utilizados por eles se baseiem na tradição amplamente aceita de que "a parede sempre foi o melhor lugar para exibir o trabalho [artístico]".
Aliás, o livro de onde tirei essa citação é uma fonte de pesquisa bastante irreverente. Chama-se Wall and Piece (Muro e Obra), uma analogia com War and Peace (Guerra e Paz). Escrito pelo próprio Banksy, ele apresenta um panorama de seus trabalhos e elucida a maneira como o autor entende a arte de rua. Se não nos convence a aceitá-la, ao menos dá a oportunidade de refletir sobre o assunto e imaginar, por exemplo, os motivos de o grupo Pixação SP ter sido convidado a participar da 29ª Bienal de São Paulo, mesmo após os ataques polêmicos ocorridos durante a edição anterior. O catálogo da nova mostra explica a decisão dos curadores afirmando que "nem tudo que é arte o campo institucional é capaz de abrigar ou de entender plenamente". Acho que o mesmo vale para nós, cidadãos-espectadores.
O fato de Banksy chegar à televisão e às livrarias, de o grupo Pixação SP estar na Bienal e de muitos outros grafiteiros serem aos poucos incluídos em galerias e museus de todo o mundo prova que a sociedade se interessa cada vez mais por esse tipo de arte, não somente por curiosidade, mas também para aprender a lidar com ela. No entanto, é bem difícil prever o futuro dessa relação. Pois já constatamos que o grafite conquistou um lugar de destaque na cidade; agora, resta saber com exatidão que lugar é esse, se deve continuar ilegal, se é célebre ou banalizado, atraente ou banido, cultuado ou apenas perseguido. Mesmo estando a apenas alguns passos de um muro grafitado, ainda vai levar um tempo para nos posicionarmos com segurança em relação a ele. Enquanto isso, as discussões estão abertas e são muito bem-vindas.
Ria agora, mas um dia nós estaremos no comando, de Banksy
Este artigo também foi publicado em Psicanalítica – Revista de Cultura e Arte