terça-feira, 6 de julho de 2010
POR QUE NÃO?
Alvo com quatro faces (1955), de Jasper Johns
Dois meses atrás, comecei a praticar arco e flecha. Você, igualmente a todos para quem dei a notícia, deve ter pensado: "Arco e flecha? Por quê?", ao que já adianto uma réplica: por que não? É uma atividade antiquíssima, já serviu à caça, à guerra e agora é esporte olímpico. Exercita o lado físico e mental do atleta – para atirar, é preciso ter em mente apenas o alvo, e para isso deve-se deixar todo o resto muito bem preparado, incluindo musculatura, técnica, confiança, concentração etc., mais ou menos como uma estratégia de marketing promissora. Por isso eu digo, se você tiver capacidade de abstração, por menor que seja, e conseguir enxergar nas coisas outros sentidos que não os mais óbvios, abandone os livros de autoajuda e vá praticar arco e flecha. Dá para retirar dali toda uma filosofia, à lá Sun Tzu.
Por exemplo: arco e flecha tem tudo a ver com eleições políticas, quando temos apenas uma tentativa para acertar o alvo e não podemos desperdiçá-la, assim como não podemos dar nosso voto a um governante qualquer e depois querer voltar atrás. Do mesmo jeito que para disparar um bom tiro o arqueiro precisa se preparar, conhecer-se interna e externamente, ser consciente de seu lugar no espaço, preparar o corpo e a mente, buscar a perfeição ou, melhor dizendo, a otimização de todos os elementos envolvidos, o eleitor, por sua vez, deve ter em mente as necessidades da nação – e não unicamente as suas –, deve conhecer a fundo os candidatos e os planos de governo, deve se concentrar e acreditar no poder de seu voto. Se a maioria se dedicar de verdade, tenho certeza de que acertará em cheio.
Mas, por que treinar arco e flecha no país do futebol? Bom, já joguei bastante bola na vida, especialmente na época do colégio, e sempre fui um grande perna de pau. Não adianta, não nasci para a coisa e nunca a levei tão a sério quanto meus colegas. Para mim, futebol era apenas distração e risada. Só que o esporte é um cânone brasileiro, parece a única alternativa sensata por aqui e o resultado disso é o amadorismo que o país demonstra nas olimpíadas, com as pouquíssimas medalhas que conquista. Quero só ver em 2016, quando sediaremos o evento. E não adianta querer compensar, dizendo que somos os únicos a ganhar cinco Copas do Mundo; pois, se é verdade que ganhamos cinco, também é verdade que perdemos catorze.
Pode até existir um pouco de preconceito, mas acho que não se praticam outros esportes por aqui porque nem se pensa neles, ou porque deles se conhece muito pouco. Além do mais, futebol combina perfeitamente com a nossa realidade socioeconômica, já que basta uma latinha de refrigerante amassada para a turma toda se divertir, enquanto outras modalidades costumam exigir algum investimento. De vez em quando aparece um Guga, uma Daiane dos Santos ou uma Maurren Maggi para abrir os olhos da população, mas o fogo nunca dura muito tempo. É claro que não existe apoio do governo, só que, se a gente não tem nem escola e hospital decentes, quem dirá lei de incentivo a esportes pitorescos. Imagine aulas de arco e flecha no ensino fundamental. Parece piada...
Aí está um exercício interessante: imagine-se praticando algum outro esporte que não seja futebol ou levantamento de garfo. Não poderia ser legal? Então, por que não pesquisar um pouquinho e tentar? Uma das experiências mais ricas que a vida de publicitário me proporciona é a de lidar com o inusitado. Recentemente, me vi em uma sala de reunião com seis marmanjos das mais diversas estirpes, discutindo as diretrizes de uma concorrência da qual a agência resolveu participar. Tratava-se do contrato com uma multinacional que fabrica potes plásticos, desses de cozinha, que se acumulam caoticamente nos armários. Em poucos minutos, tínhamos montado e desmontado uma série deles e me vi refletindo sobre durabilidade, resistência, elasticidade, tecnologia, praticidade, design e reciclagem de um troço que nunca fez a menor diferença em minha vida. Se me perguntassem naquela manhã, quando ainda não sabia da reunião, o que eu entendia de potes plásticos, provavelmente teria dito que nada. Porém, duas horas depois, fui colocado à prova e passei. Por quê? Porque não tive receio de encarar um assunto novo quando precisei.
O mesmo aconteceu com o arco e flecha. Certa vez, li relatos sobre os arqueiros ingleses da Idade Média e pensei: deve ser legal praticar isso aí. Fui atrás, comecei e gostei. Hoje em dia, já consigo acertar uma maçã a dez metros de distância (não exatamente na primeira tentativa). Alguém se voluntaria a colocar uma na cabeça e me ajudar?
Pensar e agir é uma sequência de atitudes inteligente e muito mais produtiva do que apenas agir ou, ainda, pensar depois de agir. Considere-a nas próximas eleições e também durante o resto de sua vida. Pois viver é uma arte complexa, que exige técnica, inspiração e muita reflexão. Como diz o crítico Luiz Camillo Osorio, a arte não veio para explicar ou para confirmar nada, mas para nos fazer pensar e falar. As coisas mais improváveis vão se transformar nas mais simples se você se abrir às novidades.
Esta crônica mesmo é um exemplo. Se tivessem lhe pedido para relacionar, num texto curto, assuntos tão díspares quanto arco e flecha, eleições, potes plásticos e crítica de arte, qual seria a sua resposta? "Deixa comigo" ou "impossível"? Em minha opinião, a melhor resposta é sempre a réplica com tom de autodesafio: por que não?