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terça-feira, 27 de julho de 2010

CONSTRUIR ALGO, CHEGAR A ALGUM LUGAR


Foto de Carlota Cafiero

Fomos recebidos por uma mendiga louca que nos ofereceu a cachaça de sua canequinha. O segurança percebeu nossa apreensão, aproximou-se e disse que poderíamos ficar à vontade para perambular pelo lugar. A mendiga veio atrás e sumiu pouco depois, provavelmente porque encontrou outro casal para compartilhar seu vício. Nos dirigimos à escadaria da direita e, ao fim do primeiro lance, encontramos Lady Macbeth prostrada, contorcendo-se de dor e culpa. Foi só então que percebemos como a noite ia ser legal.

Estávamos no TUCA, teatro da PUC-SP, para a abertura do evento que marcaria duas importantes comemorações: os 45 anos do teatro e os 25 anos do grupo Lume, da Universidade de Campinas. De 26 de julho até o próximo domingo, 1º de agosto, haverá espetáculos, workshops, demonstrações técnicas, exposição de fotos, palestras e exibição de vídeos para todos os interessados – confira a programação aqui.

No fim dos degraus, passados a Sra. Laranjeiras (moradora de rua que a atriz Ana Cristina observou para a montagem do espetáculo “Um dia…”, de 2000) e de Lady Macbeth (figura clássica desenvolvida pela atriz Naomi Silman a partir da técnica de Dança Pessoal), encontramos Seu Mata-Onça (Renato Ferraccini) e Cnossos (Ricardo Puccetti), entre outros personagens-chave dessas duas décadas e meia de história. Eram apenas amostras de espetáculos passados, mas a gente se envolvia de maneira tão profunda que se esquecia do contexto e queria participar. Eu mesmo quase fui ajudar o velho Geraldinho (Jesser de Souza) a subir as escadas com sua bengala de pau. Que aflição que dava aquele esforço!

Aos pouquinhos, a sensação de caminhar por um hospital psiquiátrico foi cedendo lugar a uma curiosidade contagiante, uma vontade de tocar e dançar com os sete atores do grupo, de deixar a razão de lado e mergulhar de vez na ficção. Com aquelas encenações acontecendo ao redor, nos sentíamos de fato num enorme palco.

Em seguida, fomos conduzidos à arena do TUCA, onde ouvimos os depoimentos dos dois fundadores restantes do Lume, Carlos Simioni e Denise Garcia (Luís Otávio Burnier faleceu uns anos atrás). Foi espontâneo e bonito. Deve ser difícil resumir uma história tão rica, ainda mais quando se trata de um dos mais importantes centros de pesquisa teatral do mundo. Como núcleo artístico e pedagógico vinculado à Unicamp, o Lume elabora novas possibilidades expressivas e reinventa o teatro a cada novo espetáculo, difundindo esse trabalho também por meio de oficinas e projetos de intercâmbio.

Praticamente sem alteração de integrantes durante todo esse tempo, víamos ali uma grande família. Como confessou o ator Carlos Simioni, depois de vinte e cinco anos de trabalho em conjunto, como é que se deixa o Lume? Não se deixa. Mantém-se criando, ensinando e pesquisando, sem muita certeza de aonde vai chegar. Carlota Cafiero, assessora de comunicação do grupo, comentou deslumbrada a cena em que os atores incorporavam uma banda brega e meio decadente: são os primeiros minutos de um novo espetáculo, e quem diria que eles, conhecidos por encenações sérias e dramáticas, agora fariam uma banda cômica? É mesmo um processo contínuo de construir algo e chegar a algum lugar, como disse Simioni, mesmo que não se saiba muito bem o que e aonde.

É impossível calcular a abrangência do Lume – tanta gente que já passou pelas salas de aula e pela plateia! Só que um dado relevante mostra a influência deles: em 1985, eram o primeiro grupo de pesquisa teatral da região; hoje, são catorze, muitos formados por ex-alunos.

Seja qual for esse “algum lugar” para onde eles rumam, posso dizer que, depois de muita construção e descontrução, o Lume já protagonizou uma conquista especial: vinte e cinco velinhas no bolo. Foi muita honra para mim presenciar essa festa.


O Lume está de site novo. Confira aqui.