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quinta-feira, 1 de julho de 2010

FLUIDEZ



As palavras foram sumindo aos pouquinhos, sem que ele percebesse. Eram aquelas menos comuns, da literatura clássica e dos pseudo-intelectuais chatos de hoje em dia. Depois, foram as dos jornais, da língua escrita, da norma culta, do novo acordo. A estas seguiram as faladas, as gírias, as expressões, os palavrões, as mágicas "bom-dia" e "obrigado". É óbvio que ele percebeu antes – era escritor, poeta e tradutor, precisava delas tanto quanto elas precisavam dele, só que não houve jeito de reverter o quadro. Dia após dia, seus textos ficavam mais repetitivos, mais confusos, cansativos. Pareciam histórias mal contadas, repletas de "e daí", "e daí" e "daí". E então os leitores também começaram a perceber, que coisa, logo eles que não davam a mínima para suas construções elaboradas, sua preocupação com a fluidez, seus pontos de vista polêmicos, sua vontade de ser percebido e de aparecer, de receber elogios, ter seu trabalho reconhecido. Um simples "parabéns" bastaria, seria motivo para acreditar que não escrevia apenas para si. Que nada, nem isso, nem uma única palavra. Elas simplesmente sumiam sem deixar rastro; quando menos se esperava não estavam mais ali, evaporavam-se da mente criadora para o silêncio dos não-lidos. Nem o dicionário ajudava – é verdade que as palavras continuavam espalhadas pelas páginas segundo a mesma lógica alfabética de sempre, só que já não significavam nada, eram apenas consoantes e vogais dançando polca. Juntavam-se, separavam-se, davam as mãos, subiam e desciam no ritmo marcante das linhas, pontos e espaços. Havia algo a ser feito? Alguma esperança? Tentou loucamente colocar a angústia no papel, mas os termos que a traduziam já não existiam. Seria possível descrevê-la sem escrever? Rabiscar sem dizer? Desenhos mímicos tentaram em vão. Eram abstratos demais, puro sentimento. Dali para frente, não haveria exatidão em nada. Descobriu-se inútil sem alguém que o decodificasse, que o fizesse sentir quem era de verdade. Fundiu-se à matriz existencial da natureza, transformou-se quase que da mesma maneira como suas ideias antes se transformavam em histórias. A ficção se misturou à realidade. Não sabia mais quem era, onde estava, de onde veio, como seria e como foi. Perdeu as palavras que melhor o definiam, que só poderiam ter saído de sua boca. Amassou a folha de papel em branco. Sua história não teria fim. Ou melhor: fim teria, porém ninguém jamais o conheceria. Caput.