domingo, 2 de maio de 2010
O POP E O PAPA
Marilyn Monroe, de Andy Warhol
A gente se acotovelava para vê-lo, o lugar não parecia grande o bastante, os corredores estavam lotados e os seguranças a ponto de perder o controle. "Lá está! Lá está!", gritavam os mais afoitos quando reconheciam algum indício de toque divino. As mulheres suspiravam encantadas com a fama, querendo fazer parte daquilo tudo de uma maneira ou de outra, querendo um retrato seu em cores berrantes. "Ai-que-lindos", deuses aqui e acolá, o Olimpo hollywoodiano em todos os cantos, musos e musas do mundo flash. Olha o Marlon Brando!, olha o Jimmy Carter!, olha a Estátua da Liberdade! Pois é, eis que finalmente Mr. America vem nos visitar, o papa do pop, grande apropriador de ícones sócio-culturais e mobilizador de massas. Senhoras e senhores, please welcome, Mister Andy Warhol!
A Estação Pinacoteca, em São Paulo, estava lotada de analfabetos da arte em busca da tal "aura" que Walter Benjamin teorizou. Não compreendiam nada do que se pendurava à sua volta, apenas achavam bonito o que lhes fora ensinado como bonito e feio o que não lhes fora ensinado. Só que era pop estar ali. Nada como dar uma olhada nas Marilyn Monroe, todas coloridinhas, extravagantes, um show. As latas de sopa? Ficam ótimas quando estampadas em camisetas. Venham conferir! Garantam já as suas! E a lojinha estava ainda mais lotada do que o resto da exposição.
Não consegui assistir a filme algum, pois as salas de exibição estavam cheias de pessoas se socializando e prestando atenção em tudo, menos na tela. Deve ser chato, né? Preto e branco, sei lá, coisa velha. É melhor voltar para casa a tempo de pegar o Big Brother na TV.
Ah, bom seria se os artistas tivessem mesmo perdido a auréola, tal como quis Baudelaire quase duzentos anos atrás. Nada de divino, nada de devoção, apenas homens comuns como eu e você. Eu também queria um mundo sem tietagem. E o coitado do Benjamin ainda teve tempo de pensar, antes que os nazistas o levassem ao suicídio, que o futuro da arte estava no cinema, pois para ele a pintura era incompatível com as massas. Mas a verdade, meu caro Walter, é que a massa gosta mesmo é de uma massa, não está nem aí para a pintura ou a filmagem. A Monalisa que o diga, leva milhões ao Louvre todos os anos e, acanhada em sua redoma de vidro, mal deixa os olhos dos passantes a observarem diretamente. Tudo bem, para estes, o que importa é tirar uma foto escondido e dizer aos amigos que estiveram lá.
O pensador, de Auguste Rodin
Embora na maioria das vezes seja trágico, o preço da fama também tem seu lado cômico. Foi o Pensador de Rodin que me disse, sentado em sua pose clássica, com o cotovelo apoiado no joelho, a cabeça no punho e os olhos desbravando o além: "Todo mundo se aproxima, tenta me imitar, tira uma foto para o Orkut e vai embora rapidinho com medo de causar incômodo". Mal sabem que o que mais o incomoda é não darem a menor atenção às suas formas moldadas em argila (e não esculpidas), não tentarem compreender seus pensamentos e não perceberem que, ao imitá-lo, apoiam o cotovelo no joelho errado – veja bem, o cotovelo direito vai na perna esquerda, é por isso que seu tronco fica tão torcido. Que mico, hein?
Voltando ao pop de Mr. America, vou logo avisando que quase tudo ali era reprodução, o original não tem importância maior, é apenas uma matriz de impressora. Imagino que isso deverá desapontar muita gente, desculpe por destruir suas crenças. Só que era essa a ideia do homem, vou fazer o quê? Ele queria acabar com a aura criada pela obra de arte única – e ganhar muito dinheiro com sua fábrica de imagens –, embora ainda hoje seja incompreendido, basta ver o fuzuê da exposição. Então, o mínimo que devemos fazer é encará-lo da maneira correta. Pois, se hoje até o papa é pop, por que a Pop Art tem que ser sagrada? Não, a ideia é profanar, banalizar os ícones sócio-culturais, transformando-os em arte e depois destransformando, copiando, copiando e copiando. Se bater aquela vontade de chamar o Andy de "deus", cuidado: o que a arte de hoje menos precisa é ser considerada sagrada, e devemos evitar a todo custo transformar novamente o museu em templo. O divino não está ali, veja bem, ele está entre nós.