sábado, 30 de janeiro de 2010
AGRADECIMENTO A J. D. SALINGER
J. D. Salinger (1919-2010)
"Um livro que realmente me impressiona é aquele que, quando todo lido, faz você desejar que o autor que o escreveu fosse um grande amigo seu, e você pudesse telefonar para ele sempre que tivesse vontade."
Na terça-feira passada, dia 27 de janeiro, morreu J. D. Salinger, autor do maravilhoso romance O apanhador no campo de centeio. Morreu sem que eu lhe telefonasse para elogiar sua obra ou clamar por amizade. De qualquer maneira, ele provavelmente não me atenderia, pois, pelo que li nos jornais, vivia recluso em New Hampshire, nos Estados Unidos, sem dar entrevistas ou atender a telefonemas.
"'Você precisa ir para uma escola de meninos alguma vez. Experimentar isso alguma vez', eu disse. 'Elas são cheias de gente falsa, e tudo que você faz é estudar para aprender o bastante para ser esperto o bastante para poder comprar a droga de um Cadillac algum dia, e você precisa continuar fazendo de conta que se importa se o time de futebol perde, e tudo que você faz é falar sobre garotas e bebida e sexo o dia todo, e todo mundo fica reclamando junto nessas porcarias de panelinhas desprezíveis'."
Eu só gostaria de lhe dizer que, como muitos, me apaixonei por seu livro desde a primeira linha e fiquei sob sua influência durante muito tempo, se é que algum dia consegui me libertar. Isso porque constantemente me vêm à cabeça aquela personalidade rebelde do protagonista, sua inconformidade com o mundo e seu espírito leviano, porém extremamente crítico*. No final das contas, acho que fui um pouco como ele – ou gostaria de ter sido –, me recusando a obedecer às regras sociais e me rebelando sem causa evidente. Em outras palavras, fui um adolescente típico, daqueles de que Salinger soube captar a essência com maestria e transformar nessa obra-prima que fala, entre outras coisas, da juventude, dos sonhos e das barreiras que os outros nos impõem.
Imagino que seja esse um dos motivos principais de O apanhador no campo de centeio conquistar pessoas de todas as idades; desde jovens, porque se identificam, a adultos, porque sentem saudades. É um pouco do que também dizem de O pequeno príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry, que permite leituras muito diferentes ao longo do tempo. A história permanece a mesma, mas nós, os leitores, mudamos drasticamente, o que nos faz pensar no correr da vida, nas atitudes que tomamos, nas alegrias, nas conquistas e nos arrependimentos.
Quando soube da morte de Salinger, confesso que fiquei triste por jamais ter tentado lhe agradecer. É algo que não fiz e que dificilmente faria, mas meu impulso adolescente permanece vivo e, de vez em quando, manifesta essa vontade de fazer coisas sem se preocupar com o que os outros vão pensar – que se danem eles, diria o protagonista do romance –, ou de ignorar as distâncias e dificuldades, tornando tudo possível, assim, de repente.
Em parte, devo isso a Salinger. E, uma vez que não poderei mais lhe telefonar, nem mesmo que ele quisesse atender, gostaria de deixar registrado aqui meu sentimento mais sincero a seu respeito: obrigado.
"De qualquer maneira, eu continuo imaginando essas criancinhas jogando algum tipo de jogo neste grande campo de centeio e tal. Milhares de criancinhas, e ninguém por perto – ninguém grande, quero dizer – exceto eu. E eu estou na beira de um precipício muito louco. O que preciso fazer, eu preciso pegar todo mundo que começa a se aproximar do precipício – quero dizer, se eles estão correndo e não veem aonde estão indo, eu tenho que aparecer de algum lugar e agarrá-los. É o que eu faria todo dia. Seria simplesmente o apanhador no campo de centeio e tal. Sei que é maluco, mas é a única coisa que gostaria de ser. Eu sei que é maluco."
*Para quem não leu, trata-se dos relatos de um jovem recém-expulso do colégio de meninos onde estudava e que viaja de volta para a casa dos pais tentando compreender as coisas que se passam ao seu redor.
Obs.: Todas os trechos acima foram retirados do original em inglês e traduzidos livremente por mim.
CURIOSIDADE
Clique e ouça o ótimo comentário sobre o livro de J. D. Salinger que Arnaldo Jabor transmitiu na Rádio CBN, dia 1 de fevereiro de 2010:
CBN - Arnaldo Jabor