Citar casos que envolvem o dia-a-dia de muitas pessoas é uma atitude que sempre tende a polemizar. Esta crônica tem um pouco disso – fala da novela “das oito”, momento sagrado da TV brasileira e também da vida de todas as classes sociais.
Antes de tudo, gostaria de deixar claro que minha intenção não é provocar o leitor gratuitamente. Usei o exemplo da novela, entre outros, justamente por causa da enorme influência que ela exerce sobre nós. Peço, portanto, que não o encare como nada pessoal, mas que perceba como o assunto está próximo, ainda que, muitas vezes, passe despercebido.
Decidi escrever esta crônica quando comecei a ouvir comentários absurdos sobre o país, a cultura e o povo indianos. Coisas como “lá tudo é lindo”, “as tradições não se perderam com o tempo” e “os indianos é que são felizes”. Sinceramente, fiquei preocupado com tamanha convicção. O ápice foi ver gente querendo passear lá achando que visitaria o paraíso.
Enfim, se você quiser pesquisar um pouco mais, sugiro que acesse o site www.youtube.com e faça uma busca utilizando palavras como “Índia”, “imagem” e “novela”, ou frases como “cenas que não aparecem na novela” e “imagens que a novela não mostra”. Existe também um documentário produzido pela BBC e disponibilizado em bancas de jornais pela editora Abril (2 DVDs) que pode ser outra boa fonte de informação.
Esta crônica não é, necessariamente, verdade. Nem tudo que está escrito é verdade. Nem sempre os livros, jornais e revistas estão 100% corretos. Sabe por quê? Não existe verdade única e absoluta, apenas versões pessoais. Apenas facetas da verdade. O mesmo vale para a TV. Ela mente o tempo todo. Escolhe bem as palavras, muda a ordem de alguns fatores e muitas vezes omite outros só para manter você ligadão nela. Também inventa mil e uma histórias e chama isso de ficção. Então, o que devemos fazer? Parar de ler e de assistir TV? Não, claro que não. Devemos buscar uma coisinha importante que falta na vida de muita gente: discernimento.
O tal discernimento nada mais é do que a capacidade de analisar e saber distinguir a realidade da ficção, assim como os interesses tendenciosos dos fatos. Infelizmente, discernimento ainda não é vendido em supermercados; é adquirido somente com a experiência e com a busca de conhecimento.
Parece bastante chato, mas não é não. Descobrir coisas novas é divertido, pergunte às crianças. Você também já foi uma delas. Sabe quando perdeu o interesse pelo novo? Quando colocou na cabeça que já sabia o suficiente para ser um “adulto maduro”, sem necessidade de aprender mais. Fecharam-se as portas da sabedoria e escancararam-se as da ignorância.
Lembra quando O código Da Vinci chegou às livrarias e logo se tornou best seller absoluto? Pois eu me lembro também da subsequente confusão com o Vaticano, que viu seus valores feridos pelo livro. Ora, o problema não foi o autor, Dan Brown, ter inventado conspirações, assassinatos e dito algumas coisas de maneira diferente de como elas costumam ser ditas, afinal, quantos já não fizeram isso antes? O motivo de tanto incômodo é que a mentira foi tão bem contada que muita gente acreditou, criticando a igreja, exigindo explicações, retaliações etc. Resultado: Dan Brown teve que explicar em praça pública que seu romance era apenas isso mesmo, um romance, uma ficção, uma história inventada – ninguém precisava se ofender. Acredite se quiser: é a uma situação absurda como esta que a falta de discernimento nos leva.
Isso porque estamos falando de literatura, que pressupõe um público mais culto e que, no Brasil, toma goleada de outras fontes de informação mais massivas, como a TV, por exemplo. A propósito, gostaria de citar o caso da novela Caminho das Índias, que tem feito um baita sucesso e que, por outro lado, tem me incomodado bastante. Admito que se trata de uma ficção e que isso lhe dá o direito de inventar de tudo, mas ela mostra um país tão diferente da realidade que acaba por enganar todos que sofrem de falta de discernimento (e de conhecimento). Nesse sentido, sabendo da força que exerce perante a população, acho uma tremenda falta de responsabilidade da Globo transmitir uma novela dessas sem produzir em paralelo programas educativos que mostrem a Índia além da ficção. Quem se interessar e quiser fazer um contraponto, sugiro que veja o filme que foi o grande destaque do último Oscar: Quem quer ser um milionário?
Quer dizer que o filme é mais verdadeiro que a novela? Não, obviamente. Trata-se apenas de outra faceta da verdade e pode ajudar bastante a ampliar seu conhecimento sobre o assunto.
Já dizia Napoleão (acho que era ele): “A história é uma versão do passado na qual todos decidimos acreditar”. Parodiando o antigo imperador, digo eu: “Uma coisa só se torna verdade no momento em que todos decidimos acreditar nela”. Portanto, vamos procurar saber um pouco mais antes de sair por aí acreditando em tudo o que os outros dizem.
No quarto volume de O método, Edgar Morin escreve: “(...) insisto em observar que todo conhecimento filosófico, científico ou poético emerge da vida cultural comum. (...) O conhecimento cotidiano é uma mistura singular de percepções sensoriais e de construções ideoculturais, de racionalidades e de racionalizações, de intuições verdadeiras e falsas, de induções justificadas e errôneas, de silogismos e de paralogismos, de ideias recebidas e de ideias inventadas, de saberes profundos, de sabedorias ancestrais de fontes misteriosas e de superstições infundadas, de crenças inculcadas e de opiniões pessoais”.
Daí, concluo que pesquisar, refletir e debater são hábitos bastante saudáveis. Caso contrário, corremos o sério risco de acabar fiéis a um monte de bobagens. E de viver no mundo do faz-de-conta, onde tanto sábios quanto bobos são apenas personagens de uma entidade manipuladora muito mais poderosa: o contador de histórias.