Esta crônica foi publicada em maio de 2008. Infelizmente, não posso dizer que meu comportamento melhorou muito de lá para cá. Tenho estado cada vez mais afastado, cada vez mais ocupado, que só volto para casa querendo dormir. Relendo o texto abaixo, percebo que ainda tenho muito que fazer...
Moro no mesmo apartamento há pouco mais de dois anos e, até aproximadamente um mês atrás, não conhecia ninguém do prédio, exceto alguns porteiros. Isso não é nada incomum, considerando que saio de casa todos os dias às 6h45 e raramente retorno antes das 21h (quem habita uma metrópole sabe do que estou falando). Nunca nadei na piscina daqui, usava as áreas comuns apenas para ir até a rua e, como não podia ser diferente, jamais participei de uma reunião de condomínio. Quando encontrava alguém no elevador, ficava sem saber se era visita ou não – talvez fossem eles que decidissem quando meu próprio apartamento seria pintado ou dedetizado e eu nem mesmo os conhecia! Cumprimentava, mas não puxava conversa.
Uma única vez, ainda quando estava de mudança, falei com meu vizinho de porta. Ele aproveitou que o apartamento estava aberto e veio me conhecer. Foi bastante humano de sua parte. Trocamos algumas palavras, nos certificamos de que ambos eram suficientemente civilizados e nos despedimos com um “Se precisar de algo, estou logo aqui, ok?”
Depois disso, vivi mais ou menos um ano dizendo a todos os amigos que meus vizinhos eram perfeitos: não faziam barulho, não escondiam cachorros no apartamento, não cavalgavam de madrugada com salto alto, respeitavam as vagas do estacionamento e, de certo modo, não causavam problemas. Em outras palavras, eram invisíveis.
Mas o aconchego do lar não durou muito: aquele mesmo vizinho que viera pacificamente me oferecer sua boa educação, assim, de repente, teve um filho! Eu nem sabia que sua esposa estava grávida e, para ser sincero, nem mesmo tinha certeza de que ele era casado.
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Às vezes tenho a impressão de que o garoto começou a chorar no dia em que chegou e que não parou até agora. Com um agravante: depois de completar um ano, ele descobriu que a brincadeira mais divertida do mundo é jogar ao chão as panelas da mãe. Uma gracinha, não?
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Quando tomava café na manhã de um dos últimos sábados, ouvia as panelas caindo e um martelar irritante na porta da cozinha que ainda não descobri como ele faz. Lembrei dos tempos em que não se ouvia nem mosca durante todo o fim de semana e me senti o maior canalha do universo, mas admiti: era tão bom quando meus vizinhos simplesmente não existiam!
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Quem já viu o clássico filme Meu tio (Mon Uncle), se lembrará da divertida crítica que o diretor francês Jacques Tati faz, já em 1956, à fria e solitária vida moderna, comparando-a a uma pequena vila da periferia da cidade onde os vizinhos preservam o calor de uma verdadeira comunidade: todos brigam, riem, fofocam, trabalham e amam juntos, ou seja, compartilham suas vidas e a si próprios. Em sua opinião, envolver-se com os outros à sua volta é a melhor maneira de viver e, acrescentaria eu, de sobreviver.
Pois até um mês atrás eu pediria a Tati que me perdoasse, mas quem desperdiça quatro horas por dia no trânsito, sente-se obrigado a saber tudo que acontece no mundo e luta contra o tempo para entregar cada trabalho só quer chegar em casa, afundar no sofá e ouvir o silêncio da tensão indo embora.
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Acontece que, hoje, estou tentando mudar isso. Às vezes o ato de ignorar a existência dos outros é apenas reflexo da enorme quantidade de “existências” à nossa volta (na Grande São Paulo, o número deve estar batendo os 20 milhões).
Enfim, talvez errado seja o ritmo frenético que escolhemos para nossas vidas e que nos faz passar por ela fingindo viver. Talvez seja o paradoxo de ficar quatro horas preso num engarrafamento e depois correr contra o tempo no trabalho. Ainda não encontrei uma solução prática para esses problemas, mas, pelo menos, depois de muita meditação, concluí que trancar o moleque do vizinho no armário não vai ajudar.
É engraçado perceber que quem antes não me deixava ouvir os próprios pensamentos tenha mudado um pouco minhas atitudes. No último mês, estou tentando ser um pouco como ele. Não tenho atirado minhas panelas ao chão, mas consegui aparecer e me fazer ouvir. Puxei papo no elevador. Dei uma volta em torno da piscina e acabei jogando bola com uma criança. Planejo agora me livrar do trabalho mais cedo e participar da próxima reunião de condomínio. Fiquei sabendo que até pizza eles compram para atrair o pessoal! Mas não vou até lá por causa dela não. Quero entender o que significa essa tal de comunidade e, quem sabe, ser um vizinho que os outros podem ver.