Escrevi esta crônica em janeiro deste ano, mas acabei desistindo de publicá-la. Na ocasião, achei que o assunto não combinaria com o Caderno C, que é voltado à cultura, e não me arrependo de ter agido desta maneira – a história contada aqui também não é algo que me agrada relembrar. Pelo menos o blog me permite tratar de outros temas e desabafar de vez em quando.
Acabo de voltar da delegacia, onde infelizmente tive que passar a noite na companhia da estúpida burocracia do nosso sistema policial. Por volta das 21 horas de ontem, quando terminava de preparar o que deveria ter sido um jantar relaxante, recebi um telefonema inesperado. Naquele momento, só poderiam ser más notícias. Era um dos vizinhos da minha avó, falecida há poucos anos, dizendo que duas pessoas tinham arrombado a casa dela e que ainda estavam lá – se eu corresse, conseguira pegá-los com a mão na massa. Ele já tinha avisado a polícia, então larguei a comida como estava e corri para o lugar, chegando junto com a viatura.
Eram dois policiais. Expliquei como a casa é e levei um puxão de orelha por causa das placas de imobiliária no portão, belos chamarizes para a malandragem. Eles acenderam suas lanternas e, lá dentro, tudo estava calmo. O cadeado do portão tinha sido forçado, mas não cedera. Comecei a acreditar que o susto não passara daquele ponto.
Parecia cena de filme. Chovia. A rua estava deserta. Só que, se observássemos melhor, dava para ver que todas as janelas das outras casas tinham uma fresta aberta, por onde os vizinhos espiavam. Eu não tinha as chaves – é meu pai que toma conta delas e, na pressa, não consegui localizar nenhum dos dois –, de modo que ficamos procurando alternativas para verificar se houvera mesmo um arrombamento.
Foi nesse instante que ouvi um “Psiu!” me chamar. O vizinho de muro apareceu na janela e disse que os ladrões estavam fugindo pelos fundos. Um dos policiais correu imediatamente para a viela lateral enquanto o outro entrava na viatura para dar a volta no quarteirão. Fiquei lá, plantado no meio da rua, sem saber o que fazer. Não demorou um minuto para uns curiosos revelarem as caras.
O policial da viela voltou com um ladrão, o mais gordo ou mais chapado da dupla, não sei dizer. Enfim, foi o que não conseguiu correr. Ele tentou fugir carregando um botijão de gás e uma enceradeira velha.
Resumindo, fomos todos até a delegacia fazer o B.O., onde descobri que o pior da noite ainda estava por acontecer. A começar pela má vontade do investigador, que deu a entender que uma enceradeira não era motivo bom o bastante para interromper o último capítulo da novela. Depois, pelo delegado, que queria ter certeza de que a porta tinha sido arrombada e, na ausência das chaves – e dos responsáveis pela perícia –, sugeriu que eu pulasse o muro da casa.
Neguei-me, obviamente. Queria terminar aquilo logo, pegar as coisas que pertenceram à minha avó e voltar para casa. Não gostaria que alguém visse a comida fria na mesa e se preocupasse à toa. Sentei no banco e esperei, esperei e esperei mais um pouco. Os policiais que prenderam o ladrão, ao invés de voltarem às ruas, tiveram que me fazer companhia, pois também deveriam assinar a papelada. Eles me explicaram o processo. Primeiro, como o bandido não estava com o RG, coletaram suas impressões digitais e enviaram por fax ao instituto responsável pela identificação, onde nada é informatizado e um técnico fica com uma lupa comparando aquelas às originais, que nem Sherlock Holmes faria dois séculos atrás. Não fiquei surpreso, já tinha ouvido poucas e boas do sistema brasileiro. Enquanto isso, preenchi fichas, dei meu depoimento e esperei, com longos intervalos entre uma coisa e outra. A fome me deixou tonto, já que não comia nada desde o almoço.
Nesse meio-tempo, muitas outras vítimas se apresentaram devido a furtos, batidas de trânsito etc. e foram encorajadas pelo investigador a fazer o B.O. via internet, porque na delegacia demoraria muito. Não que ele estivesse ocupado, claro. Ao sentir o cheiro de má-vontade, muitos desistiam e iam embora, descrentes. Coisa triste de se ver.
Meu caso se resolveu às duas da manhã, quatro horas depois de ter chegado à delegacia, quando assinei o depoimento e pude enfim recuperar as coisas roubadas. O delegado me recusou uma cópia do documento. Achei um absurdo, mas não era hora de arrumar confusão, então simplesmente fui embora. O resultado das digitais ainda não tinha chegado. Os policiais militares foram muito gentis e prestativos até o último instante. É uma pena que, como confessaram depois, em breve estarão correndo atrás do mesmo ladrão novamente.
Não tenho intenção de ir muito a fundo neste assunto. Quem leu até aqui, deve ter percebido que as críticas transpareceriam até mesmo seu eu não quisesse. Se você já passou por situação semelhante, sabe melhor ainda do que estou falando. O que me consola, no final das contas, é a recompensa por agir sempre o mais honestamente possível, pois, num caso como este, em que fui obrigado a passar uma noite na D.P., pelo menos fiquei do lado de fora das grades.