Todo mundo estava escrevendo e discutindo sobre as novas regras ortográficas da língua portuguesa e eu, para variar, estava atrasado. Quando dei por mim, tudo já havia sido discutido e o resultado é fiquei de mãos abanando.Então olhei em volta e percebi que, por mais que se discutisse, as regras não iriam mudar. Foi assim que descobri que os revolucionários de verdade estavam em outro lugar.
Estive pesquisando para escrever sobre as novas regras ortográficas da língua portuguesa e descobri muitos números (8 países, 26 letras, 240 milhões de pessoas, 320 milhões de livros no Brasil), muitos tópicos a serem discutidos (diferenças entre o falado e o escrito, divergências culturais entre Portugal e Brasil, dificuldades editoriais, ineficácia em relação ao analfabetismo, descaracterização dos idiomas etc.) e, principalmente, que nos resta apenas aceitá-las.
O lado bom desse trabalho todo foi ter visitado lugares fascinantes, entrado em contato com outras culturas e aprendido novas linguagens, tais como, por exemplo, o internetês, um tipo de idioma paralelo usado na rede e requisito praticamente obrigatório em programas de batepapo e sites de relacionamento. Aliás, refiro-me ao novo internetês, porque a versão arcaica eu dominava bastante bem, diga-se de passagem, em minha época de Netscape, Cadê? e ICQ.
Pois saiba que, no mundo virtual, as meras abreviações caíram em desuso faz tempo – foram substituídas por emoticons, siglas e caracteres especiais que deixam o texto com cara de ideograma. A molecada adora, claro, principalmente porque a maior parte das mensagens só eles entendem. Se você é como eu e não tem orkut, não perca a oportunidade de xeretar junto com um usuário e ler algumas das mensagens postadas. Muita coisa nova acontece por ali, algumas bem interessantes e inovadoras. O mesmo vale para o MSN, principal programa de batepapo do momento, muito utilizado inclusive por empresas que buscam uma alternativa eficiente para os velhos ramais. Nele, a troca de mensagens acontece com tamanha velocidade que tanto as palavras quanto as frases precisam ser “enxugadas” para não perderem o ritmo, tornando-se quase ininteligíveis. É uma coisa muito maluca e vale a pena conhecer. Mas não se esqueça de botar o preconceito de lado, assim como o tradicionalismo. Afinal, o português é uma língua viva e isso não significa apenas que é usado, mas que sofre modificações constantes como qualquer organismo. Ou como uma a pintura que jamais recebe a última pincelada, ficando eternamente inacabado. Nesse sentido, podemos dizer que sua vanguarda está na internet.
Tudo bem que as mudanças, para fazerem sentido, precisam ter função. Quer dizer, se o objetivo é deixar tudo mais rápido, de que adianta escrever “naum” ao invés de “não”? Esquisita também é a variante EMO do internetês, chamada miguxês, uma espécie de dialeto que tenta parecer bonitinho e COMplicaH aInDa MaiX Ah LeiTuRaH. Existe quem ama e quem odeia. De minha parte, acho mais interessantes as palavras que obedecem somente à fonética, como, por exemplo, “kd” (cadê) e “aki” (aqui). Às vezes, elas fazem a gente se perguntar os motivos de escrever do jeito convencional.
Esta também é uma preocupação constante entre professores, já que seus alunos têm levado a linguagem da rede para a sala de aula. Mas como explicar a mudança das normas ortográficas da língua portuguesa para quem mal entende as antigas? Isto não se aplica somente às crianças, porque tem muito adulto por aí com dificuldade para escrever – recebo diariamente e-mails de diretores de grandes empresas que mal se fazem compreender, e estes não costumam pertencer à “geração internet”, que cresceu navegando. Em outras palavras, não adianta pôr a culpa na rede.
Mesmo porque, se a nova reforma ortográfica busca melhorar a interação do português escrito em diversos países, talvez a internet cumpra este papel sem formalidade ou burocracia. E sem longas demoras para aprovação, como aconteceu com o “recente” acordo, que foi idealizado em 1986, votado em 1990 e só agora entrou em vigor. Os tempos mudaram e continuam mudando, sem avisar, sem pedir permissão, e nossa maior dificuldade está em acompanhá-los. No futuro, talvez a língua usada por todos não seja o inglês, o espanhol ou o esperanto, mas uma mistura de tudo isso, com os dois pés na internet, livre de regras complicadas e das suas inúmeras exceções. Pode parecer blasfêmia, mas, se todos se entenderem, que mal há nisso? O objetivo da língua estará cumprido. Como disse um dos internautas que participaram do debate virtual promovido pela revista Bravo! a respeito das mudanças, “no primário minha professora brigava comigo porque escrevia errado, agora dou o troco nela!” E logo quem vai brigar com a gente é a nova geração. É ela que vai usar o português por mais tempo, que o reinventa a cada dia e talvez fosse ela que deveria decidir o que é valido ou não. Se você me disser que os jovens não têm maturidade para fazer uma escolha dessas, vou responder que tudo bem, até concordo, mas por que ninguém pede a opinião deles, pelo menos? Aliás, por que ninguém pede minha opinião também? Eu sugeriria que observássemos melhor o internetês para encontrar os caminhos da evolução de nossa língua. (e o pessoal da Academia de Letras achando que o trema é que era coisa do passado... rs!)