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quinta-feira, 19 de março de 2009

O IDIOTA DA ARTE

Esta crônica causou certa polêmica e até mesmo eu, relendo-a, me sinto um pouco incomodado com seu tom agressivo. De qualquer modo, falo aqui de uma preocupação constante em minha vida – a busca por uma arte de idéias. A cena contemporânea muitas vezes se apresenta como o momento em que tudo vale. Acredito que devemos tomar cuidado com isso. Artistas sensíveis, inteligentes e persistentes são muito mais raros do que imaginamos. Não quero me voltar ao passado, longe disso! Quero apenas compreender melhor o presente e, quem sabe, adivinhar um pouco do futuro. Sem jamais esquecer de me emocionar.


Há anos vou com amigos de outras áreas a exposições de arte contemporânea e sempre nos deparamos com o mesmo drama: eles não entendem praticamente nada do que se passa com aquele monte de porcaria empilhada, este interminável filme fora de foco e essas caixas de madeira dispostas cartesianamente pelo chão, como resquícios de um fim de feira organizados por alguém com muita falta do que fazer. Pois não considero meus amigos uns insensíveis, que não compreendem as possibilidades do contemporâneo. Longe disso. Na verdade, sinto pena de que eles não encontrem hoje uma arte à altura de sua curiosidade.

Imagino que essa sensação de desconforto venha acontecendo há mais de um século. Desde os modernistas; talvez do cubismo em diante. Enfim, ainda hoje enfrentamos a problemática que as artes plásticas propuseram a si mesmas lá atrás e que ainda não conseguiram solucionar: o sentido da sua existência.

Ora essa, quando modernistas como Picasso, Matisse, Breton etc. se estapeavam querendo comprovar que era a sua visão de arte a mais apropriada, eles não buscavam apenas a imposição de um conceito – queriam estar na moda. Pois falem mal, mas falem de mim.

Não há dúvida de que seus experimentos, entre tantos outros, foram valiosíssimos. Naquele momento, a arte vivia uma crise tão complexa que se instituiu a novidade como parâmetro de qualidade. Bom mesmo era quem conseguia se reinventar a cada pincelada. Mas a grande questão que, no nosso caso, vem se impondo há anos e para a qual pouquíssimos têm arriscado uma resposta é: será que um século de invenções e reinvenções não bastou para a arte reencontrar seu lugar na vida das pessoas?

Nesse sentido, admiro muito o Ferreira Gullar, que dá a cara a tapa não apenas porque tem coragem, mas porque tem conteúdo para enfrentar quem fica em cima do muro. Segundo ele, “a instituição da novidade como valor fundamental da arte tornou-se uma espécie de terrorismo que inibe o juízo crítico e garante a vigência impune de qualquer idéia idiota”.

Pois hoje vivemos a era da arte idiota, onde vale tudo. Que coisa! Estou cansado de experimentalismos meramente formais e acredito que já está na hora de usar toda essa pesquisa para a construção de algo útil.

É difícil generalizar, mas, depois que o artista largou a tela com vergonha de parecer ultrapassado, vemos por aí incontáveis projetos monumentais, caríssimos, que muitas vezes só chegam até nós por meio de fotos ou filmes e que não contêm uma só idéia que valha todo esse esforço. O belo de hoje, ao menos uma linha dele, é o grandioso, o espetacular, que atrai mídia e causa polêmica.

Ora, me poupem dessa arte estapafúrdia. De que adianta gastar milhões, atrair uma multidão de interessados e não dizer praticamente nada?

(estive também pensando nas obras pequenas, que tendem a ser amontoados de quinquilharias agrupadas desta ou daquela forma, com custo baixo, mas creio que, se hoje o grande é igual ao belo, pior ainda para o pequeno, que se torna o feio – este fica para uma próxima crônica)

Restam os comentários. “Grande, né?” “Legal.” “Como será que ele fez isso?” E ponto, traga a próxima obra, por favor.

Sem dúvida, o artista ganha fama. Muitos começam a estampar bugigangas, são chamados para programas de TV e tentam se manter na mídia o maior tempo possível com seus “escândalos”. Mas, cá entre nós, que diferença isso faz em nossas vidas?

Sou muito mais a Monalisa, que é pequenininha em sua redoma de vidro e movimenta o mundo em seu redor. Cinco séculos depois, ela ainda dá o que falar. Quer mais? Estou certo de que, se for com meus amigos ao Louvre, todos vão se emocionar, e ela mudará um pouco nossas vidas.

Pode me chamar de passadista, não me preocupo. A história da arte tem se encarregado, desde os primórdios, de decidir quem sobrevive e quem fica condenado ao esquecimento. Eu só queria viver mais uns cem anos para descobrir o que vai restar da arte de hoje. Se os artistas persistirem em não fazer muita diferença na vida de seu público, o movimento atual será conhecido como “nadismo”. Nada para cá, nada para lá, noves fora, nada.

Nas palavras do próprio Ferreira Gullar, “foi o próprio curso seguido pela sociedade e pela arte que gerou os problemas de agora. Resta saber se essa evidência é justificativa suficiente para que o artista persista em seguir um rumo que destrói os seus próprios valores”.

Quer saber? Se as bienais, feiras e exposições contemporâneas já não interessam a quase ninguém além dos iniciados e/ou investidores, pego meus amigos e vamos dar uma volta na rua. No meio do caminho tem sempre uma pedra, objet trouvé, para se admirar, discutir e, por que não?, se emocionar.