Inicialmente, não gostei muito desta crônica. Acontece que a repercussão dela foi tão grande e tão positiva que me obriguei a relê-la com olhos de quem não tinha lido antes e, adivinhe só, também passei a gostar.
Trata-se de mais um texto que fala sobre comportamento social. Por incrível que pareça, este é o assunto que mais rende comentários dos leitores, o que me deixa muito feliz, claro. É muito valioso para um autor saber que suas idéias estão fazendo as pessoas refletirem e, melhor ainda, estão rendendo bons debates.
Acho que não existe maior recompensa para um cronista do que saber que a sociedade tem vontade de melhorar.
As pessoas andam muito mal-educadas. Onde já se viu?, xingar os outros no trânsito, estacionar em cima da faixa de pedestres, furar filas, ocupar o assento dos ônibus reservados aos velhinhos e fingir uma soneca quando um deles se aproxima só para não ter que levantar. Pior é achar que isso tudo é normal. É uma verdadeira falta de respeito, isso sim, e não me venha com cara feia! Se acordou de mau humor é problema seu, não queira descontar nos outros. Mesmo porque aqui vivem juntas tantas pessoas que, se for esquentar a cabeça com cada mal-educado que cruza meu caminho, fervo antes do meio-dia.
Um tempo atrás, empurraram minha namorada para entrar primeiro no metrô e garantir um banco vazio. A bolsa da coitada caiu, suas coisas se espalharam pelo chão e um espertinho aproveitou para afanar o fone de ouvido do celular. Ela chegou em casa arrasada e chorou, descrente dessa situação em que vivemos, de todo esse abuso. Agora, eu me pergunto: tudo isso para quê? Ficar sentado por dez, vinte minutos? Será que vale a pena ferir a moral alheia e se rebaixar tanto por tão pouco?
Não entendo o que se ganha agindo dessa maneira. Acho que o bem de todos e a felicidade geral da nação andam tão pobrezinhos que sair-se melhor que o outro em qualquer situação, por mais ínfima que seja, por pior que venham ser as conseqüências, é motivo de satisfação. Pôxa, gente, vamos ampliar esses horizontes, tentar construir alguma coisa juntos! De espertos o mundo está cheio, mas os inteligentes de verdade estão cada vez mais raros.
Não pensem que o acontecido com minha namorada é caso isolado – comigo também acontece sempre. É gente que embolsa um ou dois centavos do troco, joga lixo na rua, pratica corrupção, não dá a devida atenção aos clientes, abusa da boa vontade oferecida, deixa serviço para outro fazer por puro desleixo ou preguiça, paga salários baixos, não devolve objetos emprestados, arma intrigas entre amigos, estaciona nas vagas reservadas aos deficientes, não está nem aí para ninguém e distribui gratuitamente tabefes nos valores morais alheios. Quem sai de casa de vez em quando sabe do que estou falando. Aliás, não precisa nem ir tão longe para sentir isso na pele. Quantos não são os vizinhos que deixam o som alto até tarde, desperdiçam água ou levam o cachorro para fazer cocô na sua grama? Não tenho sequer coragem de desafiar a atirar a primeira pedra quem jamais cometeu um desses pecados porque tenho certeza de que alguém me alvejaria só por sacanagem.
Ora, já não bastam as muitas horas de trabalho, os altos impostos a serem pagos e todo o sacrifício que fazemos para levar uma vida digna? Ter que aturar o egoísmo e a falta de “semancol” dos outros é um absurdo. Quem aí leu O ensaio sobre a cegueira, do José Saramago, em que as pessoas deixam de enxergar de uma hora para a outra e tudo vai por água abaixo? Quem assistiu à bela adaptação que o Fernando Meirelles fez para o cinema também consegue ter noção do drama. Entre as metáforas usadas está a das latrinas, que ninguém sabe direito onde ficam, não há água para limpá-las e as necessidades vão ficando pelo chão mesmo. Para piorar, as pessoas vêm pisando e espalhando aquilo por todo canto. Resultado: o mundo fede. É mais ou menos o mesmo que acontece hoje em dia. A gente finge que não vê, prefere deixar as coisas como estão e vai aceitando cada vez mais e mais abusos. Quando a cegueira passar – se é que vai acontecer um dia –, o que teremos pela frente? Muita merda para limpar.
O Luís Fernando Veríssimo já dizia que “não há nada de errado com o mundo, ele só é muito mal-freqüentado”. O Érico, por sua vez, que “a bondade não é uma virtude passiva”, é fácil ser mau, mil vezes mais fácil ser indiferente, temos que nos esforçar para sermos bons. Daí eu tiro a conclusão de que: a) Se não é possível mudar dessa para melhor, seria interessante, no mínimo, ajeitar as coisas por aqui e b) Se a bondade plena é difícil de alcançar, simplesmente não seu mau pode ser um começo. Não precisa distribuir tabefes nem tampouco sair a acariciar deus e o mundo, basta ser simpático. “Bom-dia” e “obrigado” não fazem mal a ninguém. Mamãe, para variar, estava certa. Então, tenham um bom dia e obrigado por lerem mais esta crônica. Até a próxima.