Acho que já está na hora de publicar aqui alguma coisa diferente, para variar. O escolhido foi este conto infantil, escrito recentemente – em fevereiro de 2009 –, a pedido de uma colega de trabalho. Ela surgiu com um projeto novo e, depois de uma rápida conversa, o esboço da história surgiu em minha cabeça quase que espontaneamente.
A proposta é que a leitura seja feita em voz alta para uma criança. Espero sinceramente que quem tenha filhos, sobrinhos, netos ou simplesmente conheça algum pequeno interessado se divirta bastante. Tentei ser o mais musical possível para deixar a leitura dinâmica e, no final, acho que deu certo.
Foi uma experiência ótima, pois jamais tinha me aventurado no universo dos textos infantis. Sempre admirei muito as publicações do gênero que, em minha opinião, são riquíssimas. Os escritores e ilustradores brasileiros, principalmente, merecem meus parabéns, pois têm se superado cada vez mais. Sorte dos pequenos, que podem crescer na companhia de histórias tão maravilhosas.
A idéia é que este texto receba ilustrações em breve. Assim que estiverem prontas, prometo que atualizo a postagem.
Enfim, espero que gostem e, se não for pedir muito, escrevam-me contanto a reação dos ouvintes. E as suas também, claro.
Quando começaram a chamar a girafa Joana de “Jô”, ela não gostou. Achava que o apelido soava baixo e gordo, enquanto ela, na verdade, era alta e magra como toda girafa costuma ser. Na escola onde estudava, era a mais alta da turma. As andorinhas, para agradá-la, chamavam-na de “Joaninha”, mas o resto da classe ria, pois sabia que as verdadeiras joaninhas praticamente desapareceriam se ficassem ao seu lado.
Os problemas de ser uma girafa no meio de animais baixinhos não ficavam por aí. Primeiro porque nada estava adaptado para ela. Os lustres, por exemplo, ficavam sempre pendurados no meio do caminho e Jô vivia batendo a cabeça neles. Precisava se dobrar inteira para caber no elevador e achava que a camiseta do uniforme escolar a deixava muito pescoçuda. Quando se olhava no espelho, então, era uma decepção do tamanho do mundo, pois enxergava apenas seus pés. Também, em lugar algum havia espelho grande como ela.
Se normalmente ninguém lhe dava atenção, bastava surgir alguma necessidade de altura que corriam atrás da sua ajuda. Os tatus, por exemplo, só saíam da toca para pedir que ela pegasse uma pipa presa na árvore. O gatinho não sabe descer do telhado? Chamem a Jô. O bebê pardal caiu do ninho e precisa de um empurrãozinho para voltar? Chamem a Jô que ela ajuda de bom grado, tem um grande coração. O que ninguém sabia é que a girafinha vivia triste, pois pediam sua ajuda mas ignoravam sua amizade.
Jô se sentia solitária lá em cima. Nas famosas festas de aniversário da galinha Maristela, no galinheiro de teto baixo, dava para entender perfeitamente a situação: enquanto as marias ficavam de cocota, Jô acabava sozinha num canto, com a cabeça nas nuvens, sem poder se divertir com os outros animais.
De vez em quando, acontecia uma situação ainda mais embaraçosa: Jô errava o passo, dava um nó nas pernas e desabava no chão. Era difícil não se atrapalhar, comprida daquele jeito. Mais difícil ainda era escapar da chacota das hienas, que desatavam a rir às suas custas.
Apesar de tudo, Jô era uma girafa especial. Inteligente, dedicada e muito curiosa, sabia um pouco de tudo. Na hora de inventar brincadeiras, sempre enxergava mais longe do que os amigos e o resultado era diversão na certa.
Uma vez, quando a turma saiu para fazer pic-nic no bosque, Jô fora a única que se lembrou de consultar a previsão do tempo. No meio da tarde, quando as águas de março vieram fechando o verão, formou-se uma confusão. “É o vento ventando! É a chuva chovendo!”, gritavam seus amigos. “É o fim do caminho! É o fim do passeio!” Então, de repente, FLOP!, a chuva parou de chover em cima deles e ficou chovendo só em volta. “Que coisa estranha! Que mistério profundo!” Que nada, era a girafa Jô, que abriu seu guardachuva e salvou todo mundo.
Foi ótimo viver esse dia de heroína. A turma da escola, empolgada com a aventura, a contou e recontou durante um tempão, acrescentando detalhes e exagerando aqui e ali para deixá-la mais emocionante. Jô, por alguns instantes, tornou-se o centro das atenções. Mas aos poucos as coisas foram voltando ao que eram antes – elas sempre voltam se a gente deixar. A girafa Jô continuou se achando alta demais, magra demais, desengonçada demais. A tristeza também voltou. Ela fazia Jô pensar: “O que vou fazer? Queria tanto ser como os outros animais! Queria tanto ser baixinha para me encaixar melhor no mundo deles!”
Para se distrair, Jô gostava de caminhar e descobrir coisas novas. Uma arvorezinha aqui, um morrinho ali, uma vista bonita acolá. Um dia, distraiu-se tanto que foi parar bem mais longe que acolá. Quando se deu conta, estava perdida. Sentou-se em uma pedra para pensar no que fazer, apoiou o cotovelo no joelho, a cabeça no punho fechado e ficou apertando as sobrancelhas, criando rugas de preocupação. Foi quando ouviu uma buzina soar ao longe. E depois outra. E depois mais outra. Curiosa como era, esqueceu-se de pensar e correu em direção às buzinadas. Acabou por encontrar uma enorme cidade.
Nunca tinha visto nada assim antes. Como os prédios eram altos! Muito mais altos do que ela. Jô ficou encantada. Saltitou de rua em rua, sentindo-se pequenina em meio a tamanha imensidão.
Deparou-se com um prédio lindo, todo feito de vidro azul, brilhando à luz do sol como uma safira gigante. Jô se aproximou para ver melhor e teve uma surpresa que a deixou de queixo caído – lá dentro estava uma linda girafa, alta e esbelta. Quanta elegância! Ficou observando-a sem piscar até perceber que a outra girafa também olhava para ela. Pintou-se de rosa-vergonha. Meio sem jeito, desviou o olhar e a girafa bonita fez o mesmo. Só que a curiosidade de Jô não estava satisfeita. Ela então foi se aproximando devagar, disfarçando o nervosismo com risinhos tímidos. A outra girafa também foi chegando mais perto, olhando de um lado para o outro, exibindo um ar despreocupado. Seria uma estrela de cinema? Será que gostaria de falar com Jô? Bonita como era, a girafa de dentro do prédio deveria ter um monte de amigos, então, por que perderia seu tempo com uma desengonçada? Não importava, Jô queria pedir conselhos. O que deveria fazer para ser assim? Será que a girafa bonita daria umas dicas? A empolgação era tanta que Jô não se aguentou. Disfarçou mais um pouquinho, cantarolou, deu uns passinhos furtivos e záz!, pulou na direção da outra girafa.
Todo mundo da rua ficou surpreso quando viu uma girafa doida chocar-se contra o vidro azul do prédio. Jô caiu de bunda na calçada e, ainda meio tonta, ficou tentando entender o que tinha acontecido. Cadê a outra girafa? Fugiu? Será que se assustou? Não, péra aí, a girafa ainda está lá dentro, sentada no chão, olhando diretamente para Jô.
Olhando para Jô? Como assim?
Foi então que compreendeu tudo. Não havia nenhuma girafa dentro do prédio, era apenas seu reflexo no vidro. Mas... ela era bonita daquele jeito? Esbelta e elegante também?
Ainda sentada na calçada, Jô abriu um imenso sorriso. Acabara de fazer a maior descoberta da sua vida! E, para confirmar que não estava imaginando coisas, a girafa do prédio lhe sorriu de volta.
Depois disso, Jô pegou a estrada de volta à sua cidadezinha, de volta à pequena casa, à pequena escola, às pequenas alegrias da vida. Apenas uma coisa havia mudado: sua autoestima, que crescera e ficara tão alta quanto a de uma girafa satisfeita com o que era. Jô jamais deixaria que ela voltasse ao normal, pois descobriu que era daquele jeito que o normal deveria ser. A tristeza, por sua vez, foi-se embora para nunca mais voltar. A girafa agora irradiava felicidade e contagiava todos.
Assim que chegou à escola, seus amigos perceberam que ali estava uma nova Jô, mais simpática, mais sorridente, mais legal. Jô estava até mesmo mais bonita. Acabou por se tornar uma companhia agradável da qual todo mundo queria compartilhar. E não era para menos, afinal, quem não gosta de uma girafa de alto astral?
Não demorou muito para que o apelido “Jô” fosse ouvido pelos quatro cantos. Era Jô para cá, Jô para lá, Jô Jô Jô. Ela passou a gostar dele, claro.Seus amigos, quando viram tamanho entusiasmo, sentiram uma pontinha de inveja e pensaram: “O que será que eu preciso fazer para ser como ela?”