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segunda-feira, 16 de março de 2009

EVOLUÇÃO SELETIVA COM BORBOLETAS

Trata-se de um projeto artístico de minha autoria iniciado no final de 2008 e que já conta com 11 telas de 50cm x 50cm, pintadas com tinta acrílica e pastel seco. Abaixo estão reproduções das mesmas e um texto que explica melhor minhas idéias.


Borboleta do Ódio



Borboleta do Lixo



Borboleta do Ar



Borboleta do Amor



Borboleta da Terra


Borboleta da Morte

Borboleta da Mata

Borboleta da Inocência

Borboleta da Ignorância

Borboleta da Água

Borboleta do Estresse

A idéia do projeto surgiu da minha necessidade de rever o conceito de futuro atualmente aceito, considerando não apenas os problemas ambientais que tendem a complicar nossa vida, mas também a relação que temos e ainda teremos com eles. Afinal, superaquecimento da Terra, excesso de lixo, escassez de água potável, poluição do ar, superpopulação, extinção de espécimes animais e vegetais, entre outros, são temas já bastante discutidos, seja na arte, seja na ciência, seja nas colunas sociais. O que falta sempre é apenas um detalhe: como os humanos conviverão com tudo isso? Se é que vão sobreviver às ameaças de seu principal predador – ele mesmo. A Evolução Seletiva surgiu daí, dessas questões provavelmente impossíveis de serem respondidas e que, no entanto, rendem reflexões bastante pertinentes.
A metáfora quase o deixa de ser – aproveitei de um exemplo normalmente usado para ensinar as teorias darwinistas aos alunos do ensino básico – das mariposas londrinas na época da Revolução Industrial – para tentar compreender melhor a evolução humana nos dias de hoje.
Conta-se que, na Inglaterra, até princípios do século XVIII, existiam dois tipos básicos de mariposas, as claras e as escuras. Como o céu era claro, azul e limpo, estas últimas se destacavam, chamando mais atenção dos predadores e, por isso, seu número era reduzido quando comparado ao das mariposas claras.
Com o advento das máquinas, altas cargas de fuligem passaram a ser lançadas diariamente ao ar. Londres começou a ficar mais escura, algo entre marrom e cinza, invertendo o quadro, destacando as mariposas claras e ocultando as demais. Assim, aquelas é que passaram a ser mais “predadas” e, consequentemente, a ficar mais escassas. Segundo o Darwin das escolas, é dessa maneira que a evolução faz suas escolhas. Eu comprei a idéia. Acredito que a natureza busca sempre um equilíbrio e, para isso, a balança pende ora para um lado, ora para outro, definindo quem sobreviverá e quem será levado à extinção.
Somos parte dessa natureza e nossa situação atual também. Continuamos a viver segundo as regras da seleção natural que, para mim, têm muito mais de sagrado do que qualquer outra concepção de mundo.
O meio ambiente está mudando drasticamente, mais veloz ainda do que na Londres de dois séculos atrás. E em proporções muito maiores. Algumas espécies vão continuar a existir; outras serão vítimas de seus predadores até desaparecerem por completo. Os humanos possivelmente sobreviverão – temos a incrível capacidade de nos adaptar às condições mais desfavoráveis e, muitas vezes, até de gostar delas. No entanto, fico perguntando a mim mesmo como será a vida no futuro.
Talvez obtenhamos algumas respostas observando a realidade atual, no cenário que se monta ao nosso redor, quando o estresse mata mais do que doenças outrora famosas. A gordura idem. Nicotina, intolerância, estupidez, arrogância, desafeto, indiferença, depressão... Os elementos naturais estão sobressaindo na paisagem e ficando ainda mais vulneráveis. Outros, criações humanas como o ódio e o lixo, se misturam à poluição, à fumaça, à luxúria, ao caos das ruas, à violência, à falta de valores, de moral e de ética e se camuflam, dificultando o trabalho de quem tenta exterminá-los. Chego a acreditar que, pouco a pouco, tudo de ruim que surge no mundo vai sendo incorporado e passa a fazer parte de nossa natureza.
No final, é mais fácil violentar a água, a justiça, a honestidade, a inocência etc. São regras de sobrevivência ditadas não pelo instinto, que é puro, irracional, mas pelo racional deturpado e egoísta do homem. Elas definem a nova cadeia alimentar – um banquete em que devoramos o planeta para depois sermos servidos como prato principal. Como disse antes, o homem é seu único predador e, por isso mesmo, sua maior ameaça.

TIPOS DE HOMEM
Assim como as mariposas eram divididas em escuras e claras, talvez o homem também possua subcategorias. Posso arriscar algumas: racionais, egoístas, estúpidos, indiferentes, medrosos, ativistas, modernistas, naturais e artificiais, entre tantas outras. Se todas modificam mas poucas melhoram o mundo, também serão poucas as que sobreviverão. Não acredito em uma mudança repentina – reverter um quadro é muito mais difícil do que alimentá-lo. Sendo assim, considero minhas borboletas como sendo apenas a primeira etapa. Mas toda etapa é necessária para que haja a seguinte e, por isso, todas são essenciais. Antes de mudar o mundo, tempos que mudar a nós mesmos.

“Dentro de nós, Basil, temos o céu e o inferno.”
Oscar Wilde em “O retrato de Dorian Gray”

POR QUE BORBOLETAS (E NÃO MARIPOSAS)?
Porque elas se assemelham quanto ao ciclo de vida – lagarta, casulo, asas –, o que facilita a associação com as teorias de Darwin e, ao mesmo tempo, têm um significado completamente diferente. Borboletas transmitem outras sensações, outros ideais; temos mais afinidade com elas e menos medo, menos repulsa. Gosto também da metáfora de transformação e acho que ela pode ser usada para nosso momento no mundo sem receio de cair num clichê.
Escolhi as borboletas porque mariposas são místicas, noturnas, espirituais e eu buscava a claridade do dia, a racionalidade e objetividade, o discurso direto. Acho que as borboletas simplesmente se adequam melhor à proposta – sem contar a satisfação que sinto quando me perguntam “Que borboleta é essa? É tão bonita!” e eu digo “É a borboleta da morte” ou “É a borboleta da ignorância”. As pessoas ficam chocadas, ofendidas, sem-graça; reagem de mil e uma maneiras. Os nomes das telas vão contra o que elas esperam encontrar e isso é muito bom, é papel da arte questionar, quebrar paradigmas, mostrar o outro lado.

CORES
Borboletas oferecem uma gama de tons muito maior do que mariposas e, nesse sentido, me sinto mais livre para escolher os que melhor se aproximam do que quero comunicar.
A idéia era criar um fundo basicamente igual para todas – uma atmosfera cinza e marrom, tão suja e repugnante quanto o pôr-do-sol na cidade de São Paulo, que vem sempre acompanhado de uma espessa camada de poluição. Em seguida, eu escolheria uma cor que representasse o tema da borboleta e deixaria que o conjunto dissesse se ela se destacaria na paisagem ou não, sem usar contornos para propor alguma interação com o meio. As que aparecem mais – que são mais facilmente identificadas – tendem a sofrer mais com ações predatórias e se extinguir. Outras devem se misturar ao ambiente e sobreviver. De qualquer modo, assim como aconteceu em Londres, todas possivelmente continuarão a existir – resta saber apenas de que modo a balança irá se estabilizar. Afinal, um lado pesará mais do que o outro e algumas borboletas vão se multiplicar bastante, enquanto outras ficarão mais raras, sendo provável que um dia ainda lutemos por elas. No bom e no mau sentido.

FORMAS
Acho que não há necessidade alguma de dizer que as formas desenvolvidas estão diretamente relacionadas com os temas das borboletas, mas gostaria de deixar claro que as aproximações com o real são propositalmente superficiais. Isso significa que eu não queria copiá-las da natureza, de fotos nem de nada do tipo. Não queria imitá-las. As borboletas que voam por aí são muito diferentes da imagem que fazemos delas. Duvida? Pegue uma folha de papel e desenhe uma agora mesmo. É essa borboleta que eu queria pintar – a estilizada, imaginada, que permite toda falta de convenção.

NOMES
Os nomes das borboletas são importantes, assim como o nome do projeto. Eles acrescentam significado às pinturas e, no final, dão sentido a elas. É por isso que escrevi nas laterais das telas. A idéia precisa ser clara, inteligente e inteligível.

A BORBOLETA IDEAL
Ainda está nos planos e não sei por quanto tempo ficará assim. É meu modo de trabalhar, deixo as idéias amadurecendo até que elas explodam e se materializem.
Ainda não sei como representar o ideal, se ele é uma reunião de partes das borboletas que já existem ou o exato oposto delas, algo como o vácuo que elas deixam. O ideal tem forma? Cor? Ele pode pertencer a todos ou será sempre pessoal? Seria possível representá-lo além do meu próprio ideal? Creio que não. As obras de um artista acabam sempre sendo uma parte dele, seus personagens são sempre excertos do seu caráter, suas imagens também, por mais que ele negue. É a sua autoria, sua marca, idéias que surgiram em sua cabeça e que são fruto de suas vivências, que são colocadas para fora por obra de sua intenção. É por isso que não consigo me desvincular do meu ideal e tampouco me conciliar com ele. Vou deixar o tempo defini-lo melhor. Por enquanto, prefiro imaginar que a borboleta está em seu casulo, transformando-se sem me deixar admirá-la.
Talvez, no fim das contas, o ideal faça mais sentido se jamais for concretizado.